Sempre fui crítico da presença militar norte-americana nas Lages, tal como sou crítico da presença militar de outro qualquer país, em qualquer outra base geograficamente dele afastado, por entender ser essa uma forma utilizada em particular pelas grandes potências, por mais que o façam invocando a preservação da paz e da democracia ou o combate ao terrorismo internacional, para intimidar, subjugar e exercer o seu domínio político e económico (imperial?) sobre outros povos e países menos poderosos, mantendo-os condicionados aos seus interesses.
E a Base das Lages abona fortemente esta ideia se pensarmos que constituiu desde o pós-guerra uma estratégica ponte logístico/militar para o lançamento ou o suporte de intervenções militares norte-americanas e da NATO em vários pontos do globo, durante muitos anos, e uma excelente cobertura dada pelas democracias ocidentais, com os EUA à cabeça, à guerra colonial e ao regime ditatorial português, entretanto aceite como integrante da Aliança Atlântica.
Tristemente conhecida como a sede da "Cimeira da Guerra", a Base das Lages serviu para George W. Bush (EUA), Tony Blair (Reino Unido) e José Maria Aznar (Espanha), recebidos pelo primeiro-ministro português de então, Durão Barroso, se reunirem na tarde de 16 de Março de 2003, para decretarem, quatro dias depois, na madrugada de 20 do mesmo mês, a invasão do Iraque, com base em pretextos hoje indubitavelmente reconhecidos como falsos. Tendo em conta os conflitos despoletados que se seguiram a esta invasão, paralelamente às agressões continuadas de Israel à Palestina: a guerra na Líbia e agora na Síria, com o apoio armamentista prestado pelos EUA e pela Europa a obscuros grupos jhiadistas introduzidos no cenário bélico, pode dizer-se, para nossa vergonha, que a Base das Lages ficou assim na esteira da criação de condições para a ascensão dos movimentos terroristas que hoje assassinam indiscriminadamente em qualquer parte do globo como aconteceu agora em França e também na Nigéria.
Razões de sobra que me levam a ser crítico, como dizia no início, da presença militar norte-americana nas Lages. Mas a vigência do Acordo de Cooperação e Defesa com os EUA, as instalações, o pessoal, o grande e prolongado impacto da Base na economia terceirense são factos objetivos que não podem ser ignorados e que tornam condenável e diplomaticamente inamistosa a decisão unilateral do governo norte-americano de reduzir a sua presença militar dispensando de uma assentada 500 trabalhadores portugueses em 2015. Não estando em terra sua, é inaceitável que os EUA se comportem, perante o "senhorio" e os empregados que "requisitaram", como exclusivos donos e senhores do território da Base. Apesar dos anteriores discursos otimistas dos governos regional e da república e da intervenção de senadores ligados à diáspora, pelos vistos a diplomacia falhou redondamente...
Não resta agora ao governo português senão agir com firmeza em defesa dos interesses nacionais, indo para além de lamentações de circunstância, e se necessário suscitar mesmo a revisão do Acordo de Cooperação e Defesa com os EUA, para garantir junto dos norte-americanos compensações justas aos trabalhadores portugueses que aqueles pretendem dispensar, e (já que desde há alguns anos deixaram de pagar renda pela utilização da Base) a sua responsabilização material indemnizatória pelas consequências sociais e económicas negativas decorrentes, para a população e o tecido económico local, da abrupta redução dos ativos naquela estrutura militar, sem esquecer ainda a manutenção dos compromissos inerentes ao plano de descontaminação dos aquíferos no concelho da Praia da Vitória.
Artigo de opinião de Mário Abrantes. publicado em 22 de janeiro de 2015