Artigo de opinião de Mário Abrantes
Como já foi amplamente divulgado, evoca-se amanhã o cinquentenário do assassinato do General Humberto Delgado. Um crime perpetrado por agentes da PIDE (a polícia política do regime salazarista), após ter sido atraído para uma armadilha que lhe foi fatal bem como à sua secretária, perto de Badajoz, por provocadores ao serviço daquela polícia que se fizeram passar por militares opositores à ditadura.
Inteiramente merecidos o preito de gratidão e a homenagem prestados em diversos pontos do país a este corajoso antagonista de Salazar, saído das fileiras do exército ao serviço do fascismo e do colonialismo, tal como posteriormente sucedeu com os heroicos capitães de Abril. Merecia talvez que essa homenagem ocorresse também em Ponta Delgada, onde, mesmo com eleições fraudulentas, Delgado teve uma expressiva votação em 1958.
Corajoso, como disse, e temerário até em demasia. Não foram poucos os resistentes da época, Álvaro Cunhal incluído, aqueles que o aconselharam a ser mais cauteloso com as suas movimentações e contactos clandestinos a fim de evitar o que infelizmente veio a acontecer em 13 de Fevereiro de 1965. Chamaram-lhe o General sem medo...
E é do medo mas também da coragem, tal como imperava em Portugal nessa época, que agora falamos, quando reportados à situação atual.
Do medo dum conflito europeu em larga escala desencadeado pelo apoio alemão ao golpe de estado na Ucrânia, e agora agravado com a possibilidade do fornecimento de armas pela administração Obama ao governo ucraniano, para combater o povo da zona leste daquele país, e que tem por antecedentes, nos anos 90, a guerra fratricida nos Balcãs e a desintegração da antiga Jugoslávia, igualmente desencadeadas pela Alemanha através do apoio separatista à Croácia.
Do medo que os novos dirigentes da Grécia dizem, e bem, que existe espalhado pela Europa devido à pressão orçamentista e austeritária de uns países sobre outros, como Portugal, os países que à custa de volumosos rendimentos excedentes que geraram aos primeiros, em particular à Alemanha, se viram em consequência amarrados a dívidas totalmente insustentáveis como a própria Grécia, a Itália, Portugal, Irlanda e Bélgica (respetivamente 174%, 132%, 130%, 123% e 105% do PIB).
Do medo que o directório ultra-liberal europeu (ao qual acriticamente se encosta Passos Coelho), refeito do abalo democrático ocorrido na Grécia e por via de ameaças de diversa ordem, pretende de forma abusivamente desrespeitadora da vontade dos povos lançar sobre qualquer país que ouse defender a alteração das regras que geraram aquela que é a época socialmente mais injusta e desigual na Europa do pós-guerra.
Mas também da coragem do povo e do governo gregos de, até ao momento, não só não cederem à chantagem e ao isolamento a que os pretendem remeter, como de até contra-atacarem com a exigência moral e política à Alemanha de que pague à Grécia a dívida gerada pela pilhagem da ocupação nazi durante a 2ª grande guerra (avaliada, aos preços atuais em cerca de metade da dívida pública grega).
Portugal não é nem precisa ser igual à Grécia, mas a tempestade que a ambos atemoriza é a mesma, e só com coragem e determinação seja na Grécia, em Portugal ou em qualquer outro país por ela atingido, poderá ser contornada e vencida, como acabou por acontecer, há 45 anos com a ditadura em Portugal.