A política com 94 anos

Mário AbrantesArtigo de opinião de Mário Abrantes

Porque a política não é património dos que a emporcalham, isto é, de uma elite classista onde pontificam os corruptos à mistura com “sérios” defensores das classes possidentes e de interesses oligárquico/financeiros, sufocando a democracia, as liberdades e a justiça social. Porque a política deve constituir o fermento e a acção necessários ao fortalecimento do regime democrático e do desenvolvimento da sociedade num sentido mais justo e humano, isto é, no sentido dos interesses da esmagadora maioria dos cidadãos, não é em vão afirmar-se que, neste sentido, a democracia portuguesa (política, económica, social e cultural) pôde sempre contar tanto para ser conquistada como para ser preservada com o inestimável contributo de uma força política independente, radicalmente ligada, através da sua ação quase centenária, às classes laboriosas e ao povo português.

 

Uma força decisiva para a conquista das 8 horas de trabalho, no tempo da ditadura, durante a qual caíram assassinados alguns dos seus heróicos militantes, decisiva para a conquista do salário mínimo nacional, depois do 25 de Abril, ou para a conquista do acréscimo regional ao salário mínimo, ao complemento de pensão ou à remuneração complementar da função pública, depois da Autonomia nos Açores. Uma força que já provou ao longo da sua existência ser capaz de se aliar com outros e de trabalhar em comum para atingir objectivos comuns, permanecendo fiel aos seus princípios e dignificando a política. Nos tempos em que o valor médio dos salários em Portugal foi reduzido para metade da média europeia, tendo baixado, em três anos, 11,6% no sector privado e 22% no sector público, não faltam razões para que os trabalhadores reforcem o peso desta força na conspurcada arena política portuguesa, porque será certamente com ela que se tornará possível inverter de forma justa a acentuação das desigualdades e da quebra dos rendimentos que lhes foi servida em salva de prata pela troika e pela UE, em comodato com as forças políticas do chamado “arco da governação”: o PS, o PSD e o CDS.

Sem obviamente pressupor que a seriedade e a dedicação à causa pública são apanágio exclusivo de uma dada força política, aquela de que temos vindo a falar, é porém com esta força e não contra ela que se torna possível defender os interesses de quem trabalha, seja no mundo da indústria, dos serviços ou da agricultura, bem como os interesses daqueles que mais postos de trabalho geram e que mais contribuem para a produção nacional: os pequenos e médios empresários.

Igualmente a outros níveis, desde a política do investimento produtivo, à justiça social e fiscal, até à equilibrada repartição dos rendimentos, passando pelas áreas da saúde, ou da educação, do poder local, da justiça e da cultura, há razões para confiar nesta força e com ela reatar a esperança de que é possível, mesmo por mais difíceis que sejam as actuais circunstâncias, alterar radicalmente o rumo político que tem vindo a ser imposto ao país e transformar a triste realidade a que chegámos num sentido mais justo e humano. A eventual saída do euro ou a renegociação da dívida são outras duas prementes questões relativamente às quais a força política de que falamos vai mais longe e quebra o tabu instalado pelos defensores do pensamento único.

Os partidos formam-se porque se pretende que representem opções políticas e ideológicas diferentes. Quando essas diferenças se esbatem, como aconteceu ao longo dos anos com o PS o PSD e o CDS então estamos perante uma “classe política” oportunista que tende a governar-se a si própria, enquanto simplesmente vai gerindo o “status quo” determinado por outrem.

A força política de que falamos, o PCP, foi fundada em 1921 e completa no dia 6 de Março, 94 anos de existência. Por ocasião desta data, aqui fica a homenagem devida ao seu passado histórico, à sua ação e influência presentes, e às saudáveis diferenças, concorde-se ou não, que persiste em manter nas propostas políticas e de intervenção que projeta para o futuro.

Mário Abrantes