Artigo de opinião de Mário Abrantes
Amarrados ao poder e à qualidade que lhe emprestam enquanto o ocupam, a escorregar para o lodaçal da mesquinhez, da incoerência, da mentira continuada, da incompetência, da asneira, da falta de ética ou de escrúpulos, e da promiscuidade políticas, assim vão os representantes máximos do poder político em Portugal.
Um Primeiro-ministro, que impõe um esmagador aumento da carga fiscal e contributiva aos mais humildes, idosos e trabalhadores, exercendo sobre eles o direito implacável de penhora ou de multa em caso de incumprimento, quando se descobre que afinal não cumpriu com as suas obrigações perante a segurança social e outras (como a apresentação das declarações de rendimentos), considera-se no direito absurdo de proclamar a sua honestidade pessoal e legitimar a continuidade no cargo apenas porque “humildemente” se assume como “imperfeito” enquanto cidadão, invocando o desconhecimento ou a falta de dinheiro…e porque (só) 3 anos após a notificação, quando se torna público o incumprimento, decide pagar parcialmente o montante em dívida.
E isto no país onde todos os dias o próprio Primeiro-ministro ou alguém por ele (em particular oriundo da parceria na coligação), ou ainda certos comentadores de serviço como Medina Carreira, martelam a tecla da necessidade de mais cortes nas pensões, reformas e outras prestações sociais devido à alegada falta de sustentabilidade da Segurança Social…
Um Presidente da República, que já afirmou que para alguém ser mais sério do que ele precisaria de nascer duas vezes, afinal veste despudoradamente a camisola do seu partido e conclui de forma acintosa que os factos graves vindos a lume, imputados ao (correligionário) Primeiro-ministro, não passam de meras tricas partidárias e aproveitamento eleitoralista da parte dos seus opositores.
Quem com estas tristes e muito pouco elevadas declarações foge às responsabilidades e a uma apreciação isenta da situação, permanecendo confortável no seu cargo, das duas uma, ou tem rabos-de-palha em matéria de seriedade e do cumprimento das suas próprias obrigações enquanto cidadão, ou está prioritariamente empenhado em (ab)usar do cargo para garantir a continuidade deste governo e das suas políticas. Qualquer das hipóteses, lamentavelmente, em nada se ajusta com a dignidade e o conteúdo das altas funções institucionais previstas pela Constituição da República para o exercício da Presidência.
E porque é estrutural a desadequação do indivíduo à qualidade do cargo de que se apropriou, logo de seguida, fazendo tábua rasa da Lei e manifestamente incomodado com o fim do mandato que se aproxima, acha-se no direito de determinar por si próprio os critérios de escolha, as orientações e as qualidades a que deverá obedecer o seu sucessor para exercer as funções que tão mal ele próprio ainda exerce e que será (felizmente) obrigado a abandonar no início de 2016. Ora o indivíduo em causa nada tem que “determinar” sobre o assunto pois as funções da Presidência da República são aquelas que a Constituição consagra e não quaisquer outras, e quem tem à partida competência para ocupar o cargo será quem os eleitores escolherem e não qualquer Barroso ou Vitorino a quem o atual locatário de Belém, abusando do cargo, entenda dever estender o tapete.
Na verdade, além de todo o mal já feito, com estes episódios está-se a tentar banalizar o abuso de poder, a empurrar o país para o reino do absurdo e a olhar para os que nele vivem como se fossem cachorros amestráveis. Nada que alguém no seu juízo perfeito considere tolerável por muito mais tempo...