Artigo de opinião de Paulo Santos:
É consensual na historiografia contemporânea, a noção de que o Estado Novo foi, de entre os regimes autoritários do século passado, o mais substantivo e eloquente. É que, não se cingindo às prisões, à tortura, à censura e à perseguição política; logrou penetrar no “animus”, na essência volitiva da comunidade, determinando que a base estrutural de pensamento em que assentou perdurasse para além da sua vigência.
O “povinho” pobre, ignorante, resignadamente feliz que Amália cantou; a moral do “antes 1 passarinho na mão do que 2 a voar” dos livros da 4.ª classe, são ilustrações do princípio da fatalidade inevitável, que se exorciza com cantares à nação. Portugal era, para o povo sacrificado, o infindável rol de conquistas longínquas, abstratas, superando derrotas reais e concretas de todos os dias.
Hoje, o povo luta e “pidescamente” é avisado de que isto vai piorar. Antes ganhar 500 que 200, ou nada. Lá está, “antes 1 passarinho na mão que 2 a voar”. Persiste a conceção de sociedade que ainda encontra eco nos “dogmas” da União Nacional. Avultam discursos às glórias passadas e presentes, desde as aventuras da reconquista, passando pelas descobertas, e acabando nos golos do Ronaldo. Tudo no quadro da tal pátria livre e soberana. Como naquele tempo, puxar ao patriotismo “oco”, que faz da pátria uma qualquer coisa de comer, fica bem. Mas quem cá aterre vindo do espaço, ao ouvir tais coisas, não imagina taxas de desemprego de 2 dígitos, tanta precariedade que nem a estatística ilustra; que isto agora é região administrativa da UE, em que até o orçamento carece de aprovação de Bruxelas.
Até “vazou” a ideia de que o país melhorou, as pessoas é que não. Não admira. Para uma parte do Portugal democrático, a pátria não é o povo. Para a ditadura também não era.