A corrupção parece nunca ter sido tão grande e tão fortemente descredibilizadora dos regimes políticos democráticos ocidentais. Mas a verdade é que ela existe também, e até mesmo em maior grau, nos regimes autoritários e ditatoriais, só que nestes ela é em grande parte censurada, como sucedeu durante os 48 anos de fascismo em Portugal.
O combate à corrupção constitui uma necessidade óbvia, mas já a sua eficácia é, em geral, altamente questionável, quando não esconde mesmo por trás de si objetivos inconfessáveis da parte de quem o promove. Veja-se, como exemplo paradigmático, a esmagadora dimensão que atingiu a denúncia e a luta anticorrupção nos casos de Lula da Silva e de Dilma Roussef no Brasil, quando o imputado crime no caso do primeiro, ainda por provar, se resume a um simples apartamento, e, no caso da segunda, à não existência sequer de qualquer acusação jurídica. Mas ambos, deliberadamente a pretexto do combate à corrupção, foram afastados da presidência do Brasil originando naquele país uma profunda e perniciosa mudança de rumo político, tendo por detrás os grandes interesses económicos, levada a cabo por um presidente com ideologia fascizante cujo governo até já navega em águas bem mais corruptas que aquelas que fizeram cair Lula e Dilma.
Mas também a corrupção para ser rigorosamente compreendida e corretamente penalizada deverá ser devidamente dimensionada e proporcionalmente denunciada e penalizada, caso contrário apenas lança o descrédito geral na justiça e no exercício do poder político sem quaisquer benefícios para a sociedade e o seu bem-estar. Na corrupção cabe muita coisa com valores distintos. Veja-se, por exemplo, a dimensão que se está a pretender atribuir à instauração de processos pelo MP a vários municípios do continente, geridos pelo PSD, PS e CDS. É de tal forma desproporcional que, a acreditar na comunicação social e nas redes sociais, as autarquias locais que, enquanto forma de exercício do poder local democrático, constituem uma conquista fundamental da Revolução de Abril de 1974, não passam hoje afinal de um antro generalizado de corrupção e fraude em benefício de uma cambada de corruptos espalhados por todo o país. Ora importa saber que afinal são apenas 18 processos de presumível fraude instaurados em 18 municípios, quando no país existem 308 (incluindo 11 na Madeira e 19 nos Açores), sendo muitos deles geridos de forma correta e ao serviço dos interesses das populações.
Em contrapartida a grande corrupção, enquanto crime económico com impacto ruinoso e fortemente penalizadora da sociedade, de que são exemplos a falência do BPN, com Oliveira e Costa, do BES com Ricardo Salgado, os 900 milhões sacados da PT para a Rio Forte, com Zeinal Bava, e os 350 milhões sacados à CGD, com Joe Berardo, ou cai no esquecimento, logo que saldada à custa dos cidadãos, ou fica sem culpados condenados nas devidas proporções.
Mais, curiosamente e ao invés do que deveria acontecer, a fronteira entre corrupção e legalidade torna-se progressivamente menos nítida quanto maior é a dimensão da primeira, isto porque existe uma real similitude entre o objeto da grande corrupção e o objeto (legal) do capitalismo e do sistema financeiro atual: a obtenção do lucro máximo e a concentração do capital.
Combater a corrupção pela corrupção pode dar resultado em pequenos delitos, por vezes condenados até com mão demasiado pesada, mas quase sempre não passa de populismo ou de demagogia enganadora, com objetivos diversos. Este combate, para ser eficaz, inclui obrigatoriamente o combate simultâneo à promiscuidade (permitida ou não) entre o poder político e o poder económico/financeiro e o combate ao capitalismo selvagem e ultra-liberal.
Como disse Fernando Teixeira no jornal Público de 13 de junho passado: “O capitalismo não é, nem pode ser, o fim da história principalmente porque seria um final muito triste
Artigo de opinião da autoria de Mário Abrantes