Mas, toda a encenação à volta do anúncio do valor do défice público feita pelo Governador do Banco de Portugal, a justificar e a demonstrar a inevitabilidade da tomada de medidas para sair da “crise” obrigam-me, em consciência, a vir a terreiro dar conta da minha indignação, não só por este facto mas também, e sobretudo, pelo conjunto de medidas que se prevê venham a ser anunciadas pelo governo de José Sócrates com o objectivo de debelar a famigerada e permanente “crise” e combater o défice público. Passou muito pouco tempo sobre o acto eleitoral que guindou para o poder o PS para que o povo português, que lhe conferiu uma confortável maioria absoluta, se esquecesse das promessas eleitorais feitas pelo engenheiro que preside ao governo. Aliás, foi no pressuposto do anunciado na campanha eleitoral e contra as políticas que vinham a ser seguidas pelo anterior governo que os eleitores votaram à esquerda e depositaram no PS a sua confiança. Talvez por isso o governo de José Sócrates tivesse recorrido, não só ao governador do Banco de Portugal, mas também aos seus apaniguados analistas e outros especialistas na arte de fazer opinião e as consciências para, ao longo das últimas semanas, preparar os incautos portugueses para aceitarem, candidamente, as medidas agora anunciadas e que, uma vez mais, se prevê venham a penalizar quem mais contribui para as receitas do orçamento.
Os argumentos são os de sempre, mas nem sempre válidos, e as medidas visam a prazo a liquidação dos sectores sociais do Estado. A educação, a saúde e a segurança social, e é disto que se trata, representando o grosso das despesas do Estado, são, vá-se lá saber porquê, sectores muito apetecidos para o sector privado. A estratégia não é nova e o caminho vem-se, paulatinamente, preparando para entregar ao sector privado a saúde e a educação. Não tenho, por princípio, nada contra a actividade privada, nem mesmo nestes sectores, mas considero igualmente, por uma questão de princípios, que devem ser garantidos pelo Estado e portanto não devem ser objecto de privatização. Mas a minha indignação e repúdio, talvez mais emotiva do que racional porque assente em conjecturas, centra-se no facto de terem apenas decorrido 3 meses do acto eleitoral. E eu, assim como muitos portugueses, termos, legitimamente, muitas dúvidas de que em Fevereiro não fosse já do conhecimento do PS e do engº Sócrates o valor do défice público. Admito que não conhecesse o valor com a precisão das centésimas, tal como foi anunciado por Vítor Constâncio, mas sabia, com certeza, qual era a parte inteira do número divulgado esta semana.
Sendo assim, e tenho poucas dúvidas que o não seja, as promessas eleitorais do PS e do engenheiro não passaram disso mesmo: promessas que antecipadamente sabiam que não iam cumprir, não porque não seja possível, mas sim por uma questão de opção. Os pressupostos do contrato que os eleitores celebraram com o PS, em 20 de Fevereiro, não vão ser cumpridos por uma das partes. É portanto legítimo que a outra parte denuncie o contrato e exija o seu cumprimento.
Aníbal C. Pires em “Politica” No Açoriano Oriental em 29 /04/05