Ninguém, em bom juízo, acredita que em Fevereiro o valor do défice público não fosse do conhecimento do senhor engenheiro. Nem o recurso às opiniões “independentes” do Vítor Constâncio e toda a campanha de preparação da opinião pública para a “inevitabilidade” de tais medidas conseguem iludir que o caminho da economia portuguesa não é, seguramente, o apontado pelo governo do PS, que agora constatamos não ser diferente das propostas que o PSD apresentou durante a campanha eleitoral de Fevereiro último. O grosso das medidas anunciadas para combater a crise e o défice público vêm, no essencial, penalizar os principais contribuintes do Orçamento Geral do Estado, ou seja, quem vive dos rendimentos do trabalho e os micro, pequenos e médios empresários. As medidas atingem de forma brutal os trabalhadores da Administração Pública, que são uma vez mais culpabilizados e penalizados pelas políticas económicas adoptadas por sucessivos governos do PSD, sozinho ou com o PP, e do PS.
A defesa do rigor e do controle orçamental das finanças públicas é uma exigência de todos. Não posso é admitir que seja sempre o trabalho a pagar a factura quando, em tempo de crise, os grandes grupos económicos e financeiros atingem resultados líquidos que, face ao discurso monocórdico dos analistas e especialistas de que não há outro caminho a seguir, mais parecem pecado, quando os fabulosos lucros a que me refiro são obtidos num país onde 20% da população vive abaixo do limiar da pobreza e onde todos os dias se encerram empresas e engrossa o batalhão dos sem emprego e excluídos. As medidas atingem, particularmente e de forma brutal, os trabalhadores da Administração Pública que são uma vez mais culpabilizados e penalizados pelas políticas económicas adoptadas por sucessivos governos do PSD, sozinho ou com o PP, e do PS, e pelo desmazelo a que as coisas públicas são remetidas. Apenas a título de exemplo, lembro aqui que os erros que decorreram do concurso de colocação de professores no ano transacto custaram ao erário público 20 milhões de euros. Havendo recursos estruturais no Ministério da Educação para a realização do concurso de pessoal docente, o governo de então recorreu a uma empresa privada e a jovens tarefeiros contratados à hora.
Os resultados são conhecidos. Os eleitores que em 20 de Fevereiro votaram pela mudança de política e deram o seu apoio a uma proposta, mil vezes repetida, de que não seriam aumentados os impostos e que os trabalhadores da Administração Pública seriam respeitados nos seus direitos e dignidade, têm o dever e o direito de manifestar o seu desagrado e descontentamento pelo não cumprimento das promessas eleitorais do eng. Sócrates e do Partido Socialista. Sabendo-se que PSD e PS comungam da mesma posição relativamente ao modelo de construção europeia, como tal não é de estranhar que as soluções da cada vez mais desbotada rosa se equiparem às da amarga laranja. Os franceses e holandeses ao votarem NÃO ao novo Tratado da UE deram uma clara resposta aos fundamentalistas e teólogos do mercado e à americanização da Europa. Dos portugueses espera-se uma resposta clara e inequívoca às políticas de submissão ao modelo neoliberal europeu e a manifestação, desde já, do repúdio pelas medidas tomadas e da hipocrisia do eng. José Sócrates.
Aníbal C. Pires em “Politica” No Açoriano Oriental em 3 /06/05