Surpresa, para alguns, terá sido o facto do resultado não ser ainda mais expressivo e para outros, o facto de, apesar do partido no poder (o PS) muito ter facilitado, Cavaco Silva ter estado à beira de ter que se submeter a uma 2ª volta. Sobre esta questão das Presidenciais deixo 7 notas muito breves:
1. O “messianismo de Cavaco”- Cavaco Silva ganhou as eleições porque conseguiu convencer largas faixas da população, que, pelo facto de ser professor de economia, tinha condições para retirar o País da crise. A sua base directa de apoio – a direita, a alta finança, a eurocracia instalada – sabe bem que o Presidente não governa, mas também sabe que, a prazo, procurará lançar as bases de modificações que comprometam ainda mais os equilíbrios e os direitos de que trabalha. A defesa das classes dominantes e das novas classes emergentes será certamente feita por um Presidente que pouco valor dá às funções sociais do Estado.
2. A responsabilidade do PS – Desde há muito que o PS, com esta direcção, se convenceu que Cavaco Silva seria Presidente. O PS consentiu que, da sua área, surgissem dois candidatos; não se empenhou na campanha do candidato oficial; nada fez de convicto para combater Cavaco Silva. O PS, como partido político desvalorizou-se e deu um contributo forte para a implantação desse uniformismo de ideias e comportamentos, reinante na União Europeia, favorável aos poderes económicos dominadores, desfavoráveis à justiça social, que tem em Sócrates e Cavaco dois interpretes no nosso País.
3. A derrota de Mário Soares – É óbvio que o Candidato Mário Soares sofreu uma pesada derrota. Penso que avaliou mal o apoio natural que podia ter; penso que acreditou que a estrutura directiva do PS o apoiava com determinação, o que não aconteceu; penso que não considerou devidamente o facto de haver centenas de milhares de portugueses, que outrora o apoiaram, mas que não concordavam que ele se voltasse a candidatar com mais de 80 anos. Ainda pouco se sabe da razão profunda que levou o Dr. Mário Soares a candidatar-se. Não me admiraria entretanto que essa razão tivesse a ver com o facto do Dr. Mário Soares ter pensado que teria que “sacudir” esse uniforme que tornou Sócrates e Cavaco tão parecidos. Só que não o conseguiu.
4. A contradição de Manuel Alegre - Manuel Alegre foi candidato à margem do PS, porque o PS não o escolheu para candidato. Por isso construiu um movimento cívico. Teve o 2º melhor resultado e por pouco ia à 2ª volta. Com esse resultado desautorizou a direcção do PS, mas acabadas as eleições regressou à estrutura partidária e reintegrou-se naquele uniformismo imposto por Sócrates. Afinal quais foram as razões de fundo da sua candidatura?
5. O papel do PCP e Jerónimo – Há muito que a elite pensante desse referido uniformismo dominador decretou o fim do PCP. Há muito que o PCP percebeu que a sua principal arma é ter um projecto democrático e socialista, de liberdade e de justiça social, de igualdade e de progresso, de formação global da pessoa humana, que se aplique claramente à realidade do nosso País. É no contexto desse projecto que surgiu, com uma grande capacidade mobilizadora, a candidatura de Jerónimo de Sousa. Jerónimo mobilizou, melhorou resultados e reforçou, como força nacional a ter em conta, o PCP. E Portugal bem vai precisar do PCP e da sua capacidade de luta nos próximos anos.
6. O BE e Louça – Louça teve menos votos que o BE nas últimas legislativas. A candidatura de Louça certamente que legítima e natural, vem contudo demonstrar a fluidez de uma área política que progrediu com o apoio de muita comunicação social e que pela sua própria natureza se mobilizou por causas justas, mas não consegue ter um projecto de transformação nacional coerente.
7. As presidenciais e os Açores – Os resultados nos Açores não têm uma fácil explicação. Cinquenta e sete por cento dos cidadãos açorianos que votaram deram o seu voto a uma figura paradigmática do centralismo do Estado. Quase todos os ditos autonomistas históricos dos Açores votaram Cavaco, o que mostra que a sua ligação a valores ideológicos retrógrados de domínio é mais forte do que a ligação aos valores da Autonomia democrática A História vai julgá-los.
José Decq Mota na revista “Saber”