Não é novidade para ninguém que todos os anos, os agricultores açorianos deparam-se com o mesmo problema: ultrapassar as quotas leiteiras e ter de pagar multas. Como forma de tentar resolver a situação este ano, a Associação Agrícola de São Miguel tentou comprar quota em território continental, de forma a que os açorianos pudessem aumentar a sua quota e não ter de pagar as chamadas “multas” – até porque ainda não se sabe ao certo se o auto consumo vai ou não contar nas contas finais da quota regional… Contudo, e como vivemos numa sociedade capitalista onde impera a lei da oferta e da procura, e como há sempre um “Chico esperto”, lá houve quem se tentasse aproveitar da situação de desespero dos agricultores açorianos, propondo o negócio por valores superiores aos da multa. Esta é apenas mais uma ajudinha para apertar a corda que os pequenos e médios agricultores açorianos já têm ao pescoço. Entretanto, e para ajudar à festa (como se diz por cá), a multinacional BEL que se instalou na Região beneficiando de apoios e incentivos quer parte do Orçamento Europeu, quer por parte do Regional, lá decidiu com arrogância e prepotência de quem tem a faca e o queijo na mão, baixar o preço de leite pago ao produtor.
Tudo isto, perante a impassividade do Governo Regional, com cujo secretário da tutela os produtores de leite se recusam a negociar. Ora vejamos, nós temos um limite de produção de leite, normalmente ultrapassado porque foram efectuados investimentos genéticos no gado que aumentaram a capacidade de produção, sem que tivesse havido um aumento efectivo da quota destinada à Região. Por outro lado, o que produzimos para consumo interno, erradamente tem estado a ser contabilizado no valor global da quota que nos está destinado, sem que haja por parte da União Europeia uma efectiva aplicação do Estatuto das Regiões Ultraperiféricas. Além disso, os produtores produzem a mais, mas as empresas de lacticínios, continuam a receber o leite desses produtores, continuam a laborá-lo e vendê-lo e continuam a ter lucros à custa desse mesmo leite. Quando um agricultor está em risco de ultrapassar a quota, as empresas inclusivé vão-lhe retendo parte do que lhe deveriam pagar como forma de assegurar o pagamento das multas. Que há quem queira dar cabo do nosso sector produtivo como forma de justificar o investimento em outras áreas de actividade económica que deveriam ser complementares, não é novidade para ninguém, mas pode e deve ser combatido…
Que os belgas, os franceses e os italianos queiram defender a sua produção, nomeadamente na área dos lacticínios, é compreensível. O que não é compreensível nem aceitável é que o façam às custas do estrangulamento da nossa fileira do leite e muito menos com a complacência e perante o silêncio sepulcral do nosso governo e dos euro deputados eleitos pela Região que, em Bruxelas, deviam defender melhor os nossos interesses. Dizem que o Povo tem a memória curta, mas os agricultores açorianos parece não a terem e por muito contestável que seja a medida, há mesmo alguns que já recordam as manifestações que invadiram as ruas de Ponta Delgada e Angra, quando decidiram derramar leite pelas ruas… É óbvio que num mundo onde a cada dia que passa morrem milhas por falta de alimento, não posso concordar com uma medida destas, mas cada um tem de lutar com as armas que tem na mão…!
Entretanto, hoje é condecorado pelo Presidente da República o magnata Bill Gates pelo seu papel no combate à pobreza e às doenças no mundo, de referir apenas que este senhor é o homem mais rico do mundo, ou seja, a ajuda dada por ele a países, nomeadamente africanos, não é nada para quem detém uma fortuna que dava para alimentar inúmeros agregados familiares durante uma vida inteira. Por outro lado, e como gente desta não dá ponto sem nó, quais serão os interesses subjacentes a tanta caridade?! Aconselho vivamente quem puder a assistir ao “Fiel Jardineiro” e reflectir um pouco sobre estas atitudes benevolentes das grandes multinacionais ou dos seus donos.
Lurdes Branco em “Politica” no Açoriano Oriental em 31/01/06