Começamos um novo ano que, segundo os entendidos será, mais uma vez, de crise. Crise a vários níveis, mas não para todos. Não sendo moda, e esperando que nunca o venha a ser, aquela palavra e toda a amargura que ela representa, são o dia-a-dia de milhões de portugueses.
Amargura, traduzida nas dívidas das famílias e empresas que se avolumam, nos salários de miséria da esmagadora maioria dos trabalhadores, cujos aumentam propostos e apresentados na sua versão final, sem negociação ou outra qualquer coisa que a ela se assemelhe, fazem corar de vergonha qualquer responsável da CIP, BPN ou Jerónimo Martins. No entanto, aos trabalhadores destas entidades, pouco mais resta fazer do que ter esperança e acreditar que mais um ano de crise terá curto desenlace, não se esquivando de defender, por todos os meios legais possíveis, os seus cada vez mais tísicos direitos.
Com a entrada no ano novo, que se espera seja melhor para quem trabalha, vieram os aumentos, alguns bem mais elevados do que a antevista inflação. A factura da luz, que toca a todos, desde as famílias, às empresas, vai ter um aumento médio de 4,3% que irá implicar, só no caso dos utilizadores domésticos, quase 2€ mensais. As micro, pequenas e médias empresas, afogadas em dívidas a fornecedores, a trabalhadores e sem possibilidade de aceder ao tão propagandeado crédito por parte do governo, enfrentarão um ano terrível, sentindo-se cada vez mais abandonadas por aqueles que as deveriam proteger e ajudar.
O pão, como já há bastante tempo foi anunciado, vai ter um aumento próximo dos 10%, o que, tendo em conta a importância deste alimento no contexto do nosso país, e visto que os cereais têm descido de preço, coloca perante os consumidores portugueses lícitas interrogações quando chegar à altura de contar os cêntimos para mais um pagamento.
Com o aumento do valor final dos automóveis, subiram também as portagens, o porte referente aos envios postais tal como as rendas, cuja actualização é de 2,8%, muito acima do valor referência para a inflação do próximo ano (2,5%). Em tempo de mais uma crise, desta vez supostamente financeira, mas que não diz (infelizmente) respeito apenas a especuladores financeiros, accionistas e banqueiros, a propensão de Sócrates e seus aficionados para ajudar quem menos precisa, começa (finalmente) a ser notada pelas pessoas.
De facto, já nem a central de propaganda afecta ao governo, que orienta o primeiro-ministro, e que leva este dizer coisas como “descemos os juros à habitação”, consegue disfarçar tamanhas atitudes malabaristas, cuja utilização apenas denota a pouca crença que o próprio governo tem nas pretensas acções que diz tomar para ajudar o povo (que somos todos nós), ao invés das rápidas iniciativas com vista a debelar os problemas que dizem respeito à banca, às grandes empresas (em alguns casos aceitáveis, mas com outras condições de negociação), ao sector da alta finança, com a excepcionalmente rápida promulgação do sempre disponível presidente da República.
Consequência destas desastrosas políticas, levadas a cabo há décadas, contra os interesses da maioria dos portugueses, o número de empresas que encerram por falência, ou simplesmente fecham sem qualquer informação aos seus trabalhadores, parece tirado de um filme de terror. Mais de 700 empresas por esse país fora, devem aos seus trabalhadores valores que rondam os 191 milhões de euros, e atingem para lá de 20 mil trabalhadores. Este número, sendo um cartão vermelho escuro às políticas do governo PS, tal como a todos os governos saídos da Revolução de Abril, é principalmente o constatar de um facto: o modelo de baixos salários, exploração desenfreada dos trabalhadores e péssimas condições de trabalho, não são o caminho para o desenvolvimento, progresso e fomento de uma melhor qualidade de vida, antes são exactamente o seu oposto.
Não contando com patrões sedentos de lucro, que serão, com toda a certeza, alguns, mais uma vez o papel do estado aqui é subalternizado, ao mesmo tempo que os tribunais demoram anos a julgar processos relacionados com empresas que fecharam portas, em determinadas situações, há mais de 20 anos. Ainda neste contexto, o facto do Supremo Tribunal de Justiça ter decidido julgar primeiro as dívidas aos bancos (entende-se, não é), e só depois os créditos devidos aos trabalhadores, deixa bem claro de que lado está a Justiça portuguesa.
É necessário que o governo, tão expedito a resolver os problemas dos bancos e das grandes empresas, também o seja na defesa de quem trabalha, substituindo-se, por exemplo, aos próprios trabalhadores como credor das empresas, passado um ano do seu encerramento, sendo nesta situação o Estado a liquidar as dívidas aos funcionários que perderam o emprego, ou ainda a produção de legislação de maneira a auscultar, de uma forma mais profunda, a existência de responsabilidades criminais em falências fraudulentas, seriam apenas algumas opções que o governo poderia tomar, mas não quer, pois a sua inquestionável vinculação é dirigida ao patronato, e não aos trabalhadores.
Entretanto, enquanto Sócrates se vangloriava da sua governação, por esta, segundo ele, ser imune à crise, eis que a recessão está aí. Depois da aprovação do Orçamento de Estado, onde era consagrado um crescimento de 0,6% (!), afinal 2009 conhecerá um desenvolvimento de 0,8 negativos, o que vem provar, mais uma vez, os enganos por onde o governo se enreda e tenta enredar os portugueses, cada vez mais ansiosos por poderem, nas urnas, dar a resposta imprescindível ao apelo por mais uma maioria absoluta. Os portugueses, esses, já entenderam que outro caminho é possível.
Fernando Marta