Refiro-me ao assunto que tem dominado a agenda política internacional e ao qual os “mass-media” têm, no mínimo, dado um estranho tratamento – a ameaça iraniana. Os motivos que levaram os Estados Unidos e os seus “aliados” a invadir e a ocupar o Iraque foram, quase, todos desmontados pelo desenrolar dos acontecimentos. As armas de destruição massiva, as supostas ligações do governo de Saddam Hussein organizações terroristas, a exportação de um certo modelo de democracia e a defesa dos direitos humanos, fundamentos com que a administração Bush e os seus aliados justificaram a invasão, esboroaram-se nos primeiros dias da ocupação do Iraque. Que o domínio estratégico e político das zonas onde existem grandes reservas de petróleo era o verdadeiro motivo ficou, para quem tinha dúvidas, claro passado que são quase três anos sobre o início do conflito. Mas haverá um outro? – Talvez! Como, aliás, procurarei demonstrar. A construção social de uma representação (imagem) sobre o programa nuclear iraniano e os perigos que possa representar para o ocidente tem demasiadas semelhanças com o embuste que justificou a guerra no Iraque. As semelhanças são óbvias e, os motivos – os que se escondem por detrás de todas as coisas – neste caso, os mesmos. Como é do conhecimento público a moeda estado-unidense deixou de ser suportada pelo ouro em 1932, ou seja depois da grande depressão dos anos 20.
Em 1945 o acordo de Bretton Woods estabeleceu o dólar como a moeda de reserva do mundo. A desvalorização da moeda dos Estados Unidos, por não corresponder a reservas de ouro mas, sobretudo pela enorme dívida externa, levaram a administração estado-unidense a encontrar formas de manterem o mundo na sua dependência e, assim, em 1971 decorrente de um acordo entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita, logo adoptado pela OPEP, o dólar passou a ser a única moeda aceite pelos países produtores de petróleo. A sujeição da economia mundial ao dólar efectivou-se pela necessidade de os estados se dotarem de reservas da moeda estado-unidense, em permanente depreciação desde os anos 30, para adquirir o precioso petróleo. Nesta altura é já legítimo o leitor perguntar: Mas o que é que isto tudo tem a ver a com o Iraque e com o Irão e o seu programa nuclear? Mais alguns factos e um pouco de paciência. A Agência Internacional de Energia Atómica já afirmou, reiteradamente, que não encontrou “qualquer evidência” de um programa de armas nucleares no Irão, por outro lado a National Intelligence Estimate prevê que aquele país, mesmo que o desejasse, não tem capacidade para produzir ogivas nucleares pelo menos nos próximos dez anos.
Então qual é o perigo que o Irão representa para a “civilização ocidental” e, em particular, para o seu auto promovido guardião? O perigo existe mas não é nuclear nem reside em qualquer fundamentalismo islâmico, o perigo é económico e consiste apenas e tão só no seguinte: o Irão anunciou e está a preparar-se para no próximo mês de Março abrir em Teerão uma “Bolsa de Petróleo” para concorrer com a Bolsas de Petróleo dos Estados Unidos e Inglaterra mas onde, ao contrário das já existentes, o petróleo seja transaccionado em euros. A abertura de uma Bolsa de Petróleo onde as transacções sejam efectuadas em euros levará, inevitavelmente, a que os países tenham tendência a desfazer-se das suas enormes reservas de dólares e a devolvê-las ao emissor o que provocaria o caos na economia estado-unidense e, com certeza, efeitos colaterais na economia mundial. Apenas lembrar que a partir de 2000 o Iraque impôs que o seu petróleo só poderia ser pago em euros. Em 2001 o Iraque começou a ser bombardeado e passados alguns meses da ocupação em 2003 a situação foi reposta, isto é, o dólar substituiu o euro no pagamento do petróleo. A ameaça iraniana é ao dólar e, sendo de facto uma ameaça, é pacífica e nada tem a ver com o seu programa nuclear.
Aníbal Pires, In Expresso das Nove, Ponta Delgada, 24 de Fevereiro de 2006