Estranhos tempos estes, os que vivemos.
A minha constatação resume o espanto que invade o espírito dos açorianos perante o estado social da nossa Região.
E é um assombro compreensível. Mesmo o observador mais desatento, conhecendo a generalidade da nossa história recente, não poderia deixar de ficar surpreendido com a realidade que enfrentamos.
Estranhos tempos estes em que os que produzem a riqueza dos Açores são crescentemente sujeitos à pressão, à chantagem, à ameaça em relação ao seu posto de trabalho, em relação à remuneração de que depende a sua sobrevivência e a da sua família.
Estranhos são estes tempos em que o nosso potencial queda ao abandono, se encerram actividades e se fecham as empresas que produzem, na economia real, os bens reais de que as pessoas reais carecem.
Não há já forma de negar o agravamento das condições de vida nos Açores. Dificuldades que são fruto não só de dificuldades externas e de conjuntura, mas também das orientações políticas que têm sido seguidas pelos governos regional e central.
Esta situação vem dar, infelizmente, razão às críticas do PCP Açores sobre a falta de investimento e apoio aos sectores produtivos.
Investimentos e apoios que nos poderiam permitir ter hoje uma economia menos dependente e fragilizada, como também demonstram a insuficiência e ineficácia das medidas anti-crise postas em prática quer na Região, quer na República.
Estranhos tempos estes, na verdade, em que constatamos que, ao fim de vários anos e tantos e tantos milhões de apoios europeus, afinal continuamos com uma economia débil, dependente e frágil, que cai como um castelo de cartas ao primeiro sopro dos ventos de crise.
Concretizemos:
No ano de 2009 o número de pedidos de falência continuou a aumentar, enquanto o número de empresas criadas continuou a descer rapidamente, com graves reflexos no emprego. As empresas em dificuldades ou alegadas dificuldades multiplicam-se.
Tivemos aqui anteontem o exemplo da COFACO, que tem vindo a reduzir o número de postos de trabalho e pretende agora transferir parte da sua produção para o Pico. Uma empresa, diga-se, que ao longo do tempo tem recebido diversas ajudas e apoios do governo regional e mesmo fundos europeus.
Mas poderíamos falar das dificuldades públicas porque têm passado a SINAGA, a Jaime Ribeiro, a Asta Atlântida, a Verde Golf, a CALF, Naviangra, o Hotel Terra do Mar, a Írislab, bem como todo o Grupo José Amorim e, mesmo o despedimento colectivo e encerramento nos Açores da Ernst Benary, sem São Miguel, ou as recentes e, às vezes injustificáveis, conflitualidades laborais na SATA, Transmaçor ou ICTS, entre muitas outras.
Neste campo do desemprego estamos a atingir uma crise social de grandes proporções. Em termos do número de desempregados inscritos nos centros de emprego – que são, lembremo-nos, apenas uma fracção da realidade – ultrapassámos a barreira, que não é só psicológica, dos 6000.
Seis mil açorianos excluídos da possibilidade de trabalhar, impedidos de com o seu esforço ambicionarem a uma vida melhor, condenados a situações sociais tantas vezes gravosas, por força das impiedosas regras de acesso ao subsídio de desemprego.
Mas, pior que isso, o desemprego é activamente utilizado como moeda de chantagem sobre os trabalhadores e, mesmo, sobre a própria Região, como é bem sabido.
Sob esta ameaça, multiplicam-se os casos de chantagem patronal procurando silenciar descontentamentos e limitar direitos conquistados, bem como os casos de violações grosseiras da lei laboral, despedimentos colectivos mais ou menos encapotados, salários em atraso, bem como a generalização de processos de lay-off.
A verdade, senhoras e senhores Deputados, é que, em muitos casos, com o argumento da crise e das dificuldades das empresas procura-se levar a cabo um sério ataque aos direitos e rendimentos dos trabalhadores açorianos.
Mas esta chantagem vai ainda mais longe. Hoje, empresários existem na Região, que tentam utilizar os postos de trabalho que deles dependem como moeda de troca para obter subsídios e benesses alargadas, configurando um oportunismo anti-social que é inaceitável e tem de ser eficazmente combatido.
Perante este quadro, que respostas, que posições existem por parte das autoridades competentes?
A lamentável verdade é que, perante este desmultiplicar de situações, os serviços da Inspecção Regional do Trabalho são morosos, a sua actuação é insuficiente e não conseguem, em tempo útil, repor os direitos de quem foi prejudicado, proteger quem deve ser protegido.
A lei existe e tem de ser cumprida. As dificuldades por que passamos não suspendem os direitos de quem trabalha!
Relembro que, em sede de Plano Regional Anual, o PCP Açores propôs um reforço de verbas no valor de 200 mil Euros, justamente para conseguir dar maior proactividade a este organismo.
E perguntamos: Como e quando vai ser realizado esse investimento? Porque espera o Governo?
E já que estamos a falar de passividade, vale a pena mencionar o que foi – ou que se calcula que tenha sido, já que os seus termos exactos são ainda desconhecidos, mesmo da própria Assembleia da República – o que foi, dizia, o novo acordo laboral da Base das Lajes.
A postura do governo Regional nesta negociação, se assim lhe podemos chamar, não passou de uma envergonhada inércia que permitiu ao parceiro negocial obter todas as vantagens, deixando para os Açores todas as cedências.
Como não conseguiram que as autoridades americanas cumprissem o acordado, aplicando como deviam o inquérito salarial, optam, pasme-se, por consagrar a ilegalidade, acabando de vez com o inquérito.
Mas há pior!
Em troca dos 13 milhões e meio de euros que, de acordo com os sindicatos, eram devidos aos trabalhadores da Base, o nosso governo regional aceita a vaga promessa de 240 mil dólares! 240 mil dólares por 13,5 milhões! Isto é que é negociar com garra!
Como é que Portugal e os Açores surgem nesta fotografia?
Mas, nesta como noutras matérias, a defesa dos interesses dos trabalhadores não esteve, nem está nas prioridades do Governo Regional.
Alguns poderiam dizer que temos um estranho prazer masoquista em apontar os pontos mais negros da nossa Região.
Outros rapidamente acusar-nos-iam de cálculo político e cavalgada demagógica das dificuldades que o Povo Açoriano enfrenta.
Não, senhoras e senhores Deputados.
Não é por isso que dedicamos a este desfiar do rosário das agruras que sofrem os trabalhadores da nossa Região.
Fazemo-lo porque esta situação demonstra o total falhanço de uma determinada orientação política. E, em política, a culpa não pode morrer solteira.
Há responsáveis! E é a eles que agora apontamos o dedo.
Fazemo-lo porque ou uma sociedade consegue aprender com os seus erros ou limita-se a afundar-se no atoleiro de uma crise que parece insuperável.
Sem um diagnóstico honesto e desassombrado das nossas actuais dificuldades não poderemos nunca encontrar as soluções. E, por isso precisamos de reavaliar o que têm sido os dogmas e as cartilhas económicas que têm sido cegamente aplicadas nesta Região e neste país.
A crueza irrecusável da realidade anda a encarregar-se de tornar claro esse diagnóstico e a necessidade de soluções diferentes, vindas mesmo de onde ninguém o esperava, dos mesmos que antes defendiam o seu inverso.
Estranhos tempos estes, os que vivemos, repito.
Estranhos tempos estes em que os que há pouco tempo eram mais acérrimos defensores da redução ao mínimo do papel do Estado, vêm agora, afinal, defender que ele deve intervir de forma activa na economia, e mesmo de forma radical, integrando o capital social de empresas em dificuldades.
Registamos como positiva esta aproximação do Governo Regional às posições de há muito defendidas pelo PCP Açores. É uma mudança de atitude, como disse, positiva, embora porventura tardia.
E se é certo que apoiamos e apoiaremos as iniciativas do Governo que visem a defesa dos postos de trabalho e a intervenção em empresas e sectores estratégicos da economia regional.
Mas continua a haver uma distinção, e quero aqui deixá-la bem expressa, entre aquilo que é a posição do PCP Açores e a do Governo pelo que essa diferença tem de substantivo.
Para o PCP Açores as intervenções não devem surgir para apagar fogos ou premiar a má gestão, ou seja, sobrecarregando os bolsos dos contribuintes com os prejuízos criados pelos empresários e deixando para estes todos os benefícios. A má gestão não pode ficar impune ou mesmo ser premiada.
O que defendemos é que seja feito uma planificação coerente do sector empresarial regional, de forma a assegurar que, em cada ilha, em cada sector estratégico, a Região possa dispor de meios e capacidades para assegurar sustentabilidade ao mercado, para conferir dinamismo à procura, para, em suma, cumprir o seu dever de assegurar que há desenvolvimento e que há um futuro auspicioso nos Açores e que, sobretudo, a nossa economia se dote dos instrumentos que a tornem menos permeável às conjunturas internacionais e que a nossa crónica dependência externa se equilibre.
Sala de Sessões, 21 Janeiro de 2010
O Deputado Regional do PCP
Aníbal Pires