O PCP de São Miguel expressa a sua discordância com o Plano e Orçamento da Região para 2023, tanto ao nível da Região no seu todo como, em particular, naquilo que se refere especificamente à ilha.
Devido à sua concentração populacional, é em São Miguel que são mais evidentes os crescentes problemas de pobreza, incluindo os casos de pobreza extrema, e que mais agudamente se perceciona a grande desigualdade social que continua a marcar a nossa vivência, trazendo consequências negativas para a sociedade no seu conjunto. Face a esta realidade, esperar-se-ia que, pelo menos em São Miguel, o governo assumisse como sua prioridade o combate a esta situação, tanto através da implementação de medidas significativas na área social - e não, portanto, de intervenções pontuais e de cariz assistencialista – quanto estimulando aquela economia produtiva cuja revitalização já não é adiável, agora que a terciarização forçada da Região revela quão frágil e ilusória foi esta construção. Já ninguém pode ignorar que só a retoma de atividades produtivas poderá gerar trabalhos estáveis e rendimentos dignos, que por sua vez constituem a única e verdadeira base do bem-estar social. Na prática, falta no documento, como já vem sendo habitual, o enfoque naquele que é o problema essencial da Região e de São Miguel: isto é, o reconhecimento de que um modelo económico até aqui seguido, baseado nos baixos salários e na precariedade, é um modelo cuja falência está à vista de todos. Contrariamente à cartilha neoliberal dos nossos governantes, a extraordinária desigualdade na distribuição da riqueza constitui o primeiro e mais importante obstáculo ao desenvolvimento.
O Plano e Orçamento apresentado para a ilha poderá assim ser descrito como “mais do mesmo, só que menos, muito menos”. Se não vejamos: ao compararmos as verbas atribuídas à ilha de São Miguel no PORAA 2023 (244.207.874 Euros) com as do PORAA 2022 (375.449.355), verifica-se de imediato uma diminuição de 131.241.481, correspondente a cerca de 35%. E entre as rubricas que sofrem cortes importantes, encontram-se algumas que seria de grande importância reforçar, dado que dizem respeito a questões fulcrais como política para a coesão e para a igualdade de oportunidade, promoção da Saúde, Proteção Civil, dinamização das atividades culturais, economia rural, economia do mar, juventude, qualificação profissional e emprego e infraestruturas de apoio às pescas. A quebra prevista no investimento público é demasiado brutal para as necessidades com que esta ilha se confronta, e a apregoada fórmula do endividamento 0 terá custos muito superiores aios benefícios. O previsto corte de 35% traduzir-se-á em mais pobreza a asfixiar a ilha, em mais degradação social em consequência da aposta no fim da economia produtiva, com vista a uma economia de baixos salários em prol da acumulação rápida de riqueza por meia dúzia.
Além do mais, a falta de investimento na saúde, educação e habitação nem sequer pode ser justificada por este erro do “endividamento 0”, já que estes três setores dispõem de verbas do PRR para o efeito…e relativamente às quais o Conselho Económico e Social já manifestou as suas preocupações quanto ao seu efetivo aproveitamento.
Tornando-se impossível, numa breve nota, comentar cada um dos cortes propostos, e analisar em pormenor as consequências negativas destas escolhas, é inevitável realçar que as mesmas contradizem certas afirmações de princípio que se encontram no documento, e que o PCP acompanharia, se fossem depois sustentadas mediante medidas concretas, o que não acontece. Veja-se, por exemplo, o reconhecimento da necessidade de reforço do mercado interno, para diminuir a nossa dependência das importações: ora, para que esta intenção se torne realidade, seria preciso em primeiro lugar o reforço das atividades produtivas, mesmo através de medidas setoriais específicas (que em muitos casos nem sequer implicariam grandes verbas, mas sim o conhecimento real dos constrangimentos enfrentados pelos micros e pequenos empresários), e naturalmente a valorização do emprego com direitos, acompanhado de um combate decidido à precariedade.
O PCP considera que, face a esta proposta de Plano e Orçamento, a população da ilha tem acrescidos motivos de justificada inquietação, e reitera a centralidade das medidas urgente que vem propondo, a saber:
1. Aumento do Acréscimo Regional ao Salário Mínimo Nacional de 5% para 10%;
2. Aumento da remuneração complementar em 15%;
3. Aumento de 20% do complemento regional de abono de família;
4. Aumento de 20% do complemento regional de pensão;
5. Garantia integral da gratuitidade e completa disponibilidade em todos os concelhos da rede pública de creches em S. Miguel;
6. Investimentos em obras públicas estruturantes para o desenvolvimento da ilha e para a prestação de serviços às respetivas populações, como, por exemplo, a execução do projeto já existente da requalificação da orla marítima de Santa Clara, um novo Centro de Saúde no Concelho da Lagoa integrado diretamente no SRS, concretização do projeto e início da execução da preservação museológica das antigas instalações da Fábrica do Açúcar da Sinaga e equipamentos respetivos, em Ponta Delgada, uso dos terrenos da fábrica e da preservação museológica da antiga Fábrica do Álcool na Lagoa;
7. Investimento na Educação, reforçando o número de professores e assistentes operacionais, pondo fim à precariedade, e disponibilizando verbas para as obras necessárias já diagnosticadas no parque escolar de S. Miguel;
8. Aumento dos apoios à diversificação da produção agrícola em todas as suas vertentes, e recuperação planificada do setor das pescas, estimulando também o desenvolvimento de uma indústria transformadora inovadora;
9. Levantamento urgente já para 2023, da responsabilidade direta da Administração Regional, do quadro de carências habitacionais, no respeitante à habitação própria, pelo menos nos casos dos agregados familiares mais carenciados, dos idosos e dos casais jovens;
10. Criação e implementação, em articulação com as autarquias, de planos de requalificação do património edificado, proporcionando oferta de habitação com custos de arrendamento controlado, e possibilitando também a opção de compra;
11. Aquisição de duas embarcações para transporte de passageiros, carga e viaturas que assegurem, durante todo o ano, as ligações marítimas entre todas as ilhas da Região;
12. Pelo menos 1% do orçamento global do PORAA deverá ser destinado à cultura.
Não são, naturalmente, só estas as propostas que o PCP tem para a ilha e para a Região. O justo descontentamento que nestes dias se agudiza relativamente à política seguida por este governo está a demonstrar que a realidade não se compadece promessas e afirmações vazias de conteúdo, e que ilha e a Região precisam urgentemente de uma mudança, que resgate a esfera política da teia de interesses particulares de que esta proposta de plano e orçamento é mais uma vez manifestação. A Comissão de Ilha do PCP saúda e acompanha com atenção as lutas e as tomadas de posição dos muitos trabalhadores que por estes dias se manifestam (na EDA, na COFACO, no teatro Micaelense, nos Hospitais da Região, e em muitos outros locais de trabalho), comprometendo-se, como sempre, a dar o seu melhor contributo para que em São Miguel e nos Açores a justiça social e o desenvolvimento coletivo sejam finalmente as diretrizes orientadoras da ação política e governativa.
A Comissão de Ilha de São Miguel