Em intervenção proferida no plenário da Assembleia Legislativa Regional no passado dia 22 de Abril, o deputado Aníbal Pires defendeu o projecto de resolução apresentado, onde se condena a prática de tortura pelo governo Norte-Americano e a utilzação da Base das Lajes para o transporte de 728 prisioneiros para a baía de Guantanamo, contra todas as leis do direito internacional e dos direitos humanos.
Ver o projecto de resolução apresentado
Intervenção do deputado regional Aníbal Pires
Exmo. Senhor Presidente,
Exmos. Senhores Deputados,
Exmos. Senhores Membros do Governo,
Sami Muhideen.
Binyam Mohamed.
Moazzam Begg.
Shafiq Rasul.
Asif Iqbal.
Said Farhi.
Shaker Aamer.
Tarek Dergoul.
Ahmed Errachidi.
Abdennour Sameur.
Numa situação normal, estes nomes, em línguas estranhas e difíceis nada teriam a ver com a Região Autónoma dos Açores e, como tal, nada nos diriam.
Numa situação normal, talvez alguns destes homens viessem visitar o nosso arquipélago e desfrutar da nossa hospitalidade.
Numa situação normal certamente que os açorianos os receberiam bem, como é de seu timbre.
Mas não foi isso o que lhes sucedeu nem é por isso que os menciono. Todos eles passaram, de facto, pelos Açores, mas não por sua vontade. Bem pelo contrário.
Citei os seus nomes porque estes são apenas dez dos cerca de setecentos e vinte e oito prisioneiros (repito: SETECENTOS E VINTE E OITO PRISIONEIROS) que foram ilegalmente transportados para a prisão de Guantanamo através do território e espaço aéreo açorianos, entre Janeiro de 2002 e Maio de 2006.
E não são apenas nomes, Senhores Deputados. São muito mais do que nomes. São pessoas reais. Homens de diversos países que se viram subitamente raptados das suas casas, aprisionados em calabouços secretos, sem qualquer contacto com o exterior, sem qualquer acusação formada e à margem de qualquer processo judicial.
Pessoas reais que foram cobardemente torturadas das formas mais desumanas, que foram desde a privação sensorial, à privação do sono, aos espancamentos constantes, ao afogamento simulado e, mesmo, até às mutilações genitais do mais primitivo barbarismo.
Não, senhores Deputados. Não são apenas nomes. Muito mais do que nomes, são símbolos. Símbolos da opressão e violência da máquina de guerra imperial que procurava impor o seu jugo aos povos do mundo. Não hesitando em rasgar tratados, ignorar com soberba todo a legislação internacional e, mesmo, cometendo os mais hediondos crimes contra a dignidade da pessoa humana e os seus direitos fundamentais. Direitos que afirmava defender!
Estes nomes são símbolos de todas as vítimas da política da administração norte-americana que, após os dramáticos eventos do 11 de Setembro, se dedicou à promoção sistemática da guerra, à exportação da violência, à promoção do medo global, porque servia os seus verdadeiros objectivos de domínio e de rapina.
Apresentamos este Projecto de Resolução para que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, em fidelidade aos princípios que a norteiam, assuma um posicionamento político claro de condenação destas práticas e transmita um sinal positivo à nova administração Norte-americana, no seu esforço de se distanciar das actuações promovidas pelo anterior presidente, George W. Bush.
Trazemos hoje estas questões não de forma extemporânea, nem gratuita, nem demagógica.
A nossa discussão não é extemporânea porque embora estes factos se tenham passado há alguns anos, a dimensão dos crimes cometidos não fazem prescrever a necessária atribuição de responsabilidades, nem isentam esta Assembleia do seu dever de tomar posição perante este assunto. Lamentamos, sim, que nenhuma das forças aqui representadas no mandato anterior tenha tido a coragem política de discutir este assunto.
As recentes e bem-vindas mudanças na administração Norte-americana mais reforçam a necessidade de assumirmos este posicionamento político de condenação das práticas bárbaras e ilegais da Administração Bush. Este é o sinal positivo que os Açores devem transmitir ao Presidente Obama. Este é o momento correcto de o fazer, também para garantir que o território da Região não voltará a ser utilizado desta forma, para estes fins.
A proposta que trazemos não é gratuita porque os indícios que a fundamentam são reais e não podem ser negados. Ao contrário do que diz o Senhor Presidente do Governo Regional, não se trata de uma questão de fé!
Entre muitas outras informações que têm vindo a público, ganha destaque o Relatório da ONG inglesa, Reprieve. Trata-se de uma conceituada organização que reúne advogados de diversos países na defesa dos direitos humanos e representa, mesmo vários dos detidos em Guantanamo.
Neste Relatório, é feita comparação entre dados oficiais fornecidos directamente pelo Gabinete do Primeiro-Ministro José Sócrates sobre registos de voos no espaço aéreo açoriano e dados, igualmente oficiais, sobre as datas de admissão de prisioneiros na prisão de Guantanamo. Esta comparação torna clara e incontestável a utilização do nosso espaço aéreo para estes transportes.
O facto é que os esforços conjugados do PS, PSD e CDS-PP não conseguiram abafar o assunto, nem apagar as evidências da vergonhosa cumplicidade e subserviência que os governos destes partidos demonstraram nesta questão.
Repito: Não se trata de uma questão de fé. Trata-se de uma questão de evidências sérias de que não temos o direito de nos alhear. Pela nossa parte, não faremos. Quem quiser fechar os olhos e enterrar a cabeça na areia será livre de continuar a fazê-lo!
A proposta que trazemos aqui hoje não é, por fim, demagógica porque não procura confundir as coisas.
Naturalmente que não compete à Região fiscalizar ou gerir a utilização do espaço aéreo, nem terá tido o Governo Regional qualquer intervenção nesta matéria. Cremo-lo. É óbvio que não é esta Assembleia que tem competência para ajuizar sobre a veracidade destes factos, nem para atribuir culpas e responsabilidades aos autores destes crimes e aos seus cúmplices. Esta tarefa está, aliás, presentemente cometida ao Procurador-geral da República, que oportunamente trará a público as suas conclusões.
Mas é igualmente verdade que esta é uma questão demasiado grave para que o Poder Regional se possa alhear dela.
Trata-se aqui também de um assunto que diz respeito ao cerne dos valores políticos da nossa Autonomia.
Somos ou não representantes eleitos do Povo Açoriano, e como tal legitimados para ajuizar sobre tudo o que diga respeito à nossa Região?
Temos ou não maioridade política para nos assumirmos como a Casa da Autonomia, ou preferimos ser apenas o pequeno palco das operetas da politiquice regional?
Pela nossa parte, o mandato que nos foi conferido pelos açorianos obriga-nos a querer discutir, com serenidade e lucidez, este, como outros assuntos que concernem ao nosso arquipélago.
Tem, ou não, esta Região um representante na Comissão Bilateral do Acordo de cooperação e Defesa? E para quê? Qual é o seu papel? Qual é a sua utilidade?
Estará lá apenas para acenar obedientemente com a cabeça, de cada vez que o Comando Americano pretende manter os trabalhadores da Base em situações de continuada precariedade laboral, à margem da legislação portuguesa?
Estará lá apenas para aceitar, sem queixas nem contrapartidas, a instalação de mais valências na Base das Lajes sem que os seus impactos, riscos e problemas sejam devidamente medidos?
Estará lá apenas para guardar respeitoso silêncio perante assuntos que possam ser incómodos para com o parceiro negocial?
Não, Senhores Deputados! Não é certamente para isso que a Região tem assento nesta comissão!
Temos um representante na Comissão Bi-lateral para aí expressarmos as nossas opiniões e discutirmos os problemas relacionados com o Acordo e desta forma cimentarmos uma antiga e profícua relação de pareceria, construída em moldes de respeito mútuo.
Ouviremos hoje, certamente, durante este debate, a estafada cassete acusando PCP de anti-americanismo e de não valorizar os antigos laços que unem a Região Autónoma dos Açores e os Estados Unidos da América.
Esta acusação oca e esgotada é característica dos que não conseguem compreender que os laços de amizade só podem ser existir quando assentes em sólidas bases de respeito mútuo. Releva da atitude pusilânime dos que julgam que apenas pela submissão e humilde subserviência poderão obter a amizade dos poderosos.
Essa velha mentira, como tantas outras sobre o PCP, apesar de tantas vezes repetida, nunca se tornou verdade. Não, Senhores Deputados! Não somos anti-americanos. O que somos, certamente, é pró-açorianos!
Por sermos pró-açorianos é que assumimos a dignidade do nosso povo e recusamos o seu aviltamento.
Por sermos pró-açorianos é que preferimos a coragem da crítica frontal ao silêncio amargurado dos derrotados.
Por sermos pró-açorianos é que pensamos que as relações de amizade entre os povos se fazem de cabeça erguida e não de joelho em terra!
O que pretendemos com esta proposta é que a Assembleia Legislativa assuma um posicionamento político, no campo dos princípios, afirmando os valores que norteiam a nossa Região de paz e cooperação entre os povos e, sobretudo, de defesa intransigente dos Direitos Humanos. Este é a mensagem que importam transmitir aos açorianos e ao mundo.
Assembleia Legislativa Regional dos Açores – 22 de Abril de 2009