Intervenção sobre o pedido de urgência do Projecto do PCP Açores para devolver instrumentos de gestão democrática à Escola Profissional das Capelas.
A razão do pedido de urgência e dispensa de exame em comissão deste projecto prende-se, de maneira óbvia, com a necessidade de salvaguardar a estabilidade institucional da Escola Profissional das Capelas.
Como é do conhecimento público, esta escola tem atravessado um período extremamente conturbado no processo da sua integração no sistema educativo regional. Essa foi, recordo, uma decisão com a qual concordámos e concordamos. Agora, penso que todos desejaríamos que essa transição se realizasse de forma mais tranquila e não conflitual, salvaguardando o normal desenvolvimento do projecto educativo.
Não foi, infelizmente, isso que aconteceu. A Comissão instaladora nomeada pela senhora Secretária Regional da Educação e Formação, pura e simplesmente, não cumpriu o seu mandato e não preparou, como estava obrigada, os processos eleitorais para os órgãos de gestão democrática da escola. Mas pior: houve atrasos no pagamento de salários, contratação de professores para horários incompletos, apenas para referir alguns exemplos da instabilidade vivida na Escola das Capelas.
Perante este cenário de o que faz o Governo?
Em vez de tomar medidas para garantir que o mandato da comissão instaladora fosse cumprido em tempo útil, restabelecendo a normalidade administrativa resolve fazer recuar todo o processo, através da publicação do Decreto Regulamentar Regional 5/2010/A, de 24 de Março, demonstrando a sua profunda desorientação e a total falta de perspectiva de futuro para a Escola Profissional das Capelas.
Para além de agravar, de forma inusitada, a desorganização da estrutura directiva da Escola, o Governo fê-lo através de uma medida que é, pelo menos, duvidosa. E duvidosa sob muitos pontos de vista.
Desde logo, no plano jurídico. Como é do conhecimento público corre nos tribunais um pedido de providência cautelar, interposta por organizações sindicais dos docentes, com o fim de suspender a vigência do mencionado Decreto Regulamentar Regional, com base em eventual violação da competência legislativa desta Assembleia, bem assim como, num suposto incumprimento da obrigação de negociação colectiva por parte da Secretaria Regional de Educação e Formação.
Não nos compete, certamente, de nenhuma forma, nem por qualquer meio, imiscuir-nos ou sobrepor-nos às competências dos órgãos judiciais. Mas compete-nos, com certeza, fiscalizar a acção governativa e avaliar o alcance, sentido e consequência dos seus actos. Este é, para nós, um dever irrenunciável.
Estamos, nitidamente, perante um caso em que a eficácia do acto fiscalizador está inevitavelmente ligado à sua celeridade. Ou agimos agora ou corremos o risco de vir eventualmente a agravar ainda mais a instabilidade na Escola das Capelas. Por isso se justifica a urgência do presente diploma.
Mas a medida do Governo é também duvidosa no plano político, ao contrariar de forma clara, o sentido e objectivo da opção deste parlamento em relação à gestão democrática das escolas do Sistema Educativo Regional.
A reinstituição da bafienta e ultrapassada figura do director da escola, exclusivo intérprete do rumo da instituição, manejando de forma autocrática um poder arbitrário, é um retrocesso objectivo no processo de participação da comunidade escolar, um empobrecimento da vida da escola, um ataque à democracia que pretendemos difundir e alargar, também no seio do nosso sistema de ensino.
Esperemos que esta atitude não seja a utilização, mais uma vez, da sacrificada Escola Profissional das Capelas como balão de ensaio para soluções que o Governo Regional gostaria de ver aplicadas ao conjunto das unidades orgânicas do sistema educativo.
Este Projecto de Decreto Legislativo Regional acaba por assumir uma importância que supera em muito a dimensão material do seu conteúdo.
Tratamos da Escola Profissional das Capelas, por si só assunto sobejamente relevante para merecer deste Parlamento toda a atenção. Mas tratamos muito mais do que isso.
No plano político, tratamos com este projecto, da própria arquitectura do sistema autonómico. Porque abordamos, aqui, afinal a natureza da relação e competências próprias do Governo e da Assembleia Legislativa Regional. E é apenas no plano político que as tratamos.
Não se pretende com esta iniciativa avaliar da legalidade do Decreto Regulamentar Regional 5/2010/A. Tal tarefa pertence aos tribunais. Ao optarmos por não suscitar um incidente de ilegalidade em torno desta norma, afirmamos a maioridade desta Assembleia para assumir a integralidade das suas competências, resolvendo na Casa da Autonomia o que pertence ao funcionamento da Autonomia.
Por muito duvidoso que seja o precipitado esclarecimento da Secretária Regional da Educação e Formação, difundido através do GACS, em 30 de Março passado, em resposta ao posicionamento assumido pelas estruturas sindicais dos professores, não é essa a matéria da nossa iniciativa. É no plano político que a questão se coloca, e apenas nesse
É verdade que o Decreto Legislativo Regional 26/2005/A, que definiu o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, estabelece que as escolas profissionais se regem pelo Decreto Regulamentar Regional que as criou e apenas subsidiariamente pelo Regime Jurídico da Criação, Autonomia e Gestão das Unidades Orgânicas do Sistema Educativo. É um facto.
No entanto, tal não equivale a um cheque em branco político que permita ao Governo contrariar o espírito e a substância de Decretos Legislativos Regionais aprovados por esta Assembleia. E é por isso que nos assiste inteira competência própria para revogar esses e outros actos governativos.
Tal não equivale a permitir que se procedam a alterações tão substantivas como a pura e simples eliminação por decreto da gestão democrática das escolas.
É competência do Governo Regional a criação e alteração de tipologia de unidades orgânicas do sistema educativo. Não é competência do Governo Regional a invenção de novos modelos de gestão das nossas escolas.
O Governo pretendeu fazê-lo com o Decreto Regulamentar Regional 5/2010/A, de 24 de Março exorbitando claramente as suas competências e invadindo as nossas. Esse é o problema. O que é que vamos fazer sobre isso é a questão a que teremos de responder.
Vamos aceitar placidamente que o Executivo, na sua ânsia de governamentalização de todas as esferas de decisão do Poder Regional, continue a tentar esvaziar o papel desta Assembleia, ao arrepio do Estatuto Político Administrativo e da Constituição?
Vamos ficar de braços cruzados permitindo que a ambição de poder absoluto do Governo subverta a separação de poderes e os ideais democráticos que presidem ao sistema autonómico?
Quando tomei posse como Deputado nesta Assembleia, jurei defender, cumprir e fazer cumprir o Estatuto e a Constituição. É um juramento que pretendo honrar.
Como disse no início desta intervenção, tratamos da Escola das Capelas, mas tratamos mais do que isso.
Tratamos, afinal, da má convivência que a Secretária Regional da Educação e Formação sempre tem tido com a autonomia das escolas e com a independência da sua gestão e projecto educativo. Tratamos da sua incapacidade de dialogar, preferindo sempre a imposição hierárquica à construção do consenso.
E a prová-lo, está o facto de que a única solução que o Governo encontrou para a Escola das Capelas, foi a pura e simples abolição da participação democrática da comunidade escolar na sua gestão.
A Secretária Regional da Educação e Formação, incapaz de lidar com a opinião plural, inapta para resolver os problemas, lá foi desenterrar a arqueológica figura do Director da Escola, trazendo para o sistema educativo regional o bafiento odor das soluções fascizantes, a tentação autoritária do pulso forte, para, supostamente, “meter a Escola das Capelas na ordem”.
Está enganada, Senhora Secretária! Está enganada e atrasada no tempo!
Esta ordem anacrónica e ultrapassada, defende-a a senhora Secretária Regional, porque o que esta Assembleia defende é a modernidade voltada para o futuro de um sistema educativo democrático!
Esta é também a questão que discutimos: importa que perante esta espécie de “balão de ensaio” do Governo Regional, esta Assembleia reafirme a validade das soluções que aprovou no Regime Jurídico da Criação, Autonomia e Gestão das Unidades Orgânicas do Sistema Educativo.
Contra uma tentação, ainda que não assumida, de extinguir a participação democrática na gestão escolar, é importante que este Parlamento e cada um dos partidos que o integram tome uma posição.
Para o PCP a opção é, como sempre foi, muito clara:
Na autonomia escolar e na democracia nas escolas, não se toca!
O que este Projecto pretende, também, é repor a normalidade numa escola que constitui uma importante mais valia para o desenvolvimento dos Açores.
E como normalidade, entendemos, o efectivo cumprimento do mandato da comissão instaladora, concluindo a eleição dos órgãos próprios e legítimos da sua gestão. A resolução dos problemas que existem na Escola das Capelas terá forçosamente de seguir esse caminho.
As medidas concretas para o implementar competem, essas sim, por direito próprio, à senhora Secretária Regional da Educação e Formação. Até porque é integralmente sua a responsabilidade da nomeação dessa comissão.
O ónus dos problemas que existiam recai, inteiro, sobre a senhora Secretária Regional da Educação e Formação, pois foi a senhora Secretária Regional da Educação e Formação que deixou os arrastar e agravar-se sem tomar nenhuma atitude, deixando-se ficar, de braços cruzados, assistindo ao lento desmantelamento de um processo de transição que se queria rápido e tranquilo.
Vendo o imobilismo, como sempre esfíngico, da senhora Secretária Regional da Educação e Formação e a sua plácida atitude de “deixa arder”, perante os protestos, os avisos, os alertas que chegavam da Escola das Capelas, é impossível não pensar numa determinada intencionalidade que, revela-se agora, afinal, tinha porventura em vista alterações substanciais no funcionamento de todo o sistema educativo regional.
E perante esta dúvida legítima, penso que é essencial que a senhora Secretária Regional da Educação e Formação se defina de uma vez por todas, perante este parlamento, perante os professores, perante os açorianos.
Responda claramente, senhora Secretária!
Pretende ou não acabar de vez com a gestão democrática das escolas nos Açores?
Pretende ou não passar a nomear directores escolares da sua confiança, em vez de ter de lidar com quem, legitimamente, pretende ver implantado um projecto educativo?
Esclareça-nos, senhora Secretária, como é sua obrigação!
Mas esta urgência justifica-se também, e talvez fundamentalmente, porque o ensino profissional nos Açores merece dos poderes públicos outra atitude. Precisa de um sentido e um rumo claros. Precisa de orientações objectivas e fiáveis. Precisa de uma visão sólida e não volúvel que permita aos agentes educativos desenvolver a sua actividade com a tranquilidade necessária.
Esta escola, com a sua história, a sua valia científica e técnica, não pode continuar na indefinição e no marasmo, no limbo das hesitações e dos avanços e recuos da senhora Secretária Regional da Educação e Formação.
É urgente que este Parlamento assuma os seus deveres e decida. A Escola das Capelas não pode esperar mais!
O Deputado Regional do PCP
Aníbal Pires