Intervenção do Deputado Aníbal Pires sobre o novo Acordo Laboral da Base das Lajes
Se o exercício do direito de petição demonstra, desde logo, uma boa prática de cidadania, no caso presente constitui-se mesmo como um verdadeiro serviço à Região. É graças a estes cidadãos e à sua iniciativa que esta Assembleia finalmente se debruça, em ponto regimental próprio, sobre esta matéria.
Foi preciso esperar pela iniciativa cidadã para que um dos principais acordos internacionais que envolvem os Açores fosse finalmente discutido na Casa da Autonomia! Porque o Governo, esse, preferiu afastar o assunto de qualquer escrutínio ou participação democrática por parte da Assembleia Legislativa Regional.
Nesse sentido, este Parlamento tem uma importante dívida de gratidão para com os peticionários e é a eles que dirijo desta tribuna uma palavra de reconhecimento e apreço pela determinação e consequência com que recusam ver a sua pretensão reduzida ao silêncio. Muito bem!
Uma matéria tão relevante como esta é para a Região deveria ser tratada de forma o mais possível coerente, clara e participada.
Mas, infelizmente o que o novo acordo laboral e o processo da sua negociação nos trazem são, ao invés, perplexidades, silêncios e omissões.
Perplexidades, em primeiro lugar, sobre a atitude do Governo Regional e, nomeadamente, do Secretário Regional da Presidência.
Toda a atitude do Dr. André Bradford foi no sentido de tentar envolver o processo negocial e os seus resultados em profundos e espessos nevoeiros. Procurou iludir, silenciar, distorcer e, por todos os meios ao seu alcance, ocultar a sua total incapacidade e inegável falta de vontade política para defender os interesses da Região.
E o que afirmo tem fundamentos concretos, senhor Secretário! E passo a explicá-los:
Por exemplo:
Não acha o senhor Secretário curioso o facto de os anos em falta nos dados do Governo sobre o valor proposto pelo relatório de actualização da remuneração dos trabalhadores portugueses, nomeadamente 2000, 2001, 2002, 2004 e 2005, corresponderem exactamente aos anos em que o valor dos aumentos salariais seria mais elevado? Será coincidência, porventura…
Mas talvez já não seja coincidência o facto de o Senhor Secretário se ter disposto a enumerar, no programa Causa Pública, na RTP Açores, os dados relativos a esses mesmos anos! Em que ficamos? O Governo dispõe ou não desses números? Os dados existem apenas para a comunicação social e não existem para o Parlamento Regional?
Espero que consiga atravessar essa espessa neblina em que voluntariamente se envolveu e se consiga aperceber da gravidade da situação e se digne a dar uma resposta cabal a esta câmara.
Mas as perplexidades não se ficam por aqui.
É no mínimo surpreendente ouvi-lo afirmar, Senhor Secretário, que os trabalhadores são beneficiados pela aplicação deste novo acordo, quando os números que apresentou a esta Assembleia mostram claramente que, afinal, os valores em dívida para com os trabalhadores são muito superiores aos até aqui apontados pelas organizações sindicais. Estamos a falar de mais do que 16,05% de quebra salarial! (Não contabilizando os anos de 97 e 98 que o Governo não dispõe e 03 e 05 em que não foram apurados os valores do inquérito salarial) É muito, mas mesmo muito mais do que os 50 dinheiros (250 mil dólares ao câmbio actual!) porque vendeu os interesses dos trabalhadores da Base das Lajes!
Também nos surpreende que o Senhor Secretário continue com a estafada cantilena da desvalorização das organizações sindicais que, com plena legitimidade constitucional, representam os trabalhadores da Base, e a derramar lágrimas de crocodilo sobre a inexistência de Comissão de Trabalhadores, quando sabe muito bem que, enquanto essa comissão existiu, o Governo Regional sempre a desvalorizou. E a prova disso foram as queixas apresentadas pela Comissão de Trabalhadores da Base das Lajes em 2002 e 2004, que nunca receberam a devida resposta da Comissão Bilateral!
As suas piruetas e cambalhotas, Senhor Secretário, não conseguem distrair os açorianos e, em primeiro lugar, os trabalhadores da Base sobre o desastre que levou o aplauso e selo de aprovação do Governo Regional!
Mas para além das perplexidades, são muitos os silêncios em torno do novo acordo laboral.
Desde logo, o silêncio que envolveu todo o processo. Nem os trabalhadores, nem esta Assembleia, nem qualquer outra entidade pública da Região foram minimamente envolvidas, ou sequer ouvidas, sobre esta matéria.
Entendemos a necessidade de respeitar o sigilo de uma negociação entre estados soberanos. Não entendemos que se possa partir para esse processo sem qualquer auscultação da vontade açoriana e dos seus órgãos de governo próprio. A isto chama-se governar às escondidas do povo açoriano!
O que este Governo pretende a todo o custo silenciar é que este é um mau acordo, um péssimo acordo! Um acordo em que a parte portuguesa faz todas as cedências, enquanto o parceiro negocial obtém todas as vantagens.
É um acordo que vem legalizar o continuado incumprimento das obrigações por parte das autoridades americanas para com os trabalhadores e pôr uma pedra sobre os milhões de euros que lhes são devidos.
É um acordo que implicará ainda maiores perdas e prejuízos para os trabalhadores, pois consagra uma espécie de revisão automática do Acordo de cada vez que a legislação americana for revista.
É, por fim, um acordo em que os interesses portugueses foram vendidos em troca de nada.
Mas para além das perplexidades e dos silêncios muitas são também as omissões que oneram este Acordo. Muito ficou abordar, muito ficou por resolver. Muitas oportunidades se perderam.
Apesar das afirmações do Senhor Secretário Regional da Presidência, ficou por resolver a questão da conflitualidade laboral. Ao não estabelecer clara e incontestavelmente a subsidiariedade da Lei Laboral portuguesa, o acordo mantém os trabalhadores sujeitos a todo o tipo de pressões ou ameaças, pois não possuem nenhum mecanismo de conciliação de conflitos ou a possibilidade sequer de recurso aos tribunais. Ao não estabelecer prazos para que a comissão Bilateral dê respostas às queixas dos trabalhadores, permite que estas se continuem a arrastar durante anos, sem qualquer solução. É deixando os trabalhadores indefesos, sem respostas e sem garantias que pacifica as relações sociais. É pela via primária da opressão que este acordo quer resolver a conflitualidade laboral. E o nosso Governo Regional aplaude!
Entretanto, ficaram também por resolver a atribuição de direitos elementares, como os relacionados com a paternidade e maternidade, como o acesso ao estatuto de trabalhador estudante, deixando os trabalhadores da Base das Lajes como dos menos protegidos do país em termos de outros direitos sociais.
Mas é, também, uma história de oportunidades perdidas a história deste novo acordo.
Numa conjuntura negocial que poderia ter um potencial favorável, devido quer à eleição do novo Presidente, Barack Obama, quer devido à pretensão americana de aí instalar novas valências, em vez de ganhar, perdemos.
Perdemos a oportunidade de consagrar uma cota mínima de funcionários portugueses. Importa lembrar que hoje são apenas 758 e dos quais apenas 668 efectivos, o que é um mínimo histórico que terá tendência apenas a reduzir-se.
E não vale a pena vir tentar dizer que as hipotéticas novas valências irão aumentar o número de trabalhadores. Porque todos sabemos que a única coisa que aumentarão, e apenas eventualmente, será o número de empresas subcontratadas, que exercem a sua actividade muitas vezes sem quaisquer condições para os trabalhadores e em plena impunidade, pois a Inspecção Regional do Trabalho nem pode lá entrar!
Desperdiçou-se a oportunidade de corrigir estas e muitas outras injustiças presentes no Acordo Laboral, mas não só. Esbanjámos a possibilidade de pôr sobre a mesa negocial outras questões que interessam aos Açores, sejam elas a iníqua política de repatriamentos por parte dos Estados Unidos ou os volumes da cooperação ou outros problemas das comunidades portuguesas. Nada nos garantia que fosse possível atingir todos estes objectivos, mas a verdade é que a parte portuguesa nem sequer tentou. E por isso foi derrotada à partida.
Depois da desastrosa actuação do Governo Regional nesta matéria, resta-nos agora apelar para que a Assembleia da República não ratifique esta negociata que entregou de mão beijada os interesses de Portugal. Quanto ao PCP, a nossa oposição é clara e frontal.
O ónus e a responsabilidade política deste Acordo recaem integralmente sobre o Partido Socialista, quer regional, quer nacional. Os trabalhadores da Base das Lajes não o vão esquecer, e os açorianos também não.
O Deputado Regional do PCP
Aníbal Pires