João Paulo Corvelo denunciou na interpelação ao Governo Regional sobre crescimento económico e criação de emprego que a realidade vivida pelos trabalhadores açorianos é bastante mais difícil do que a propaganda do Governo dá a entender. Criticando a opção de promover a precariedade laboral e de colocar desempregados de programas ocupacionais a fazer funções permanentes em muitos serviços da administração pública, o deputado comunista mostrou com factos que a política do Governo tem resultados desastrosos, nomeadamente com o emprego a tempo parcial a crescer 20%.
Por outro lado, a economia nacional e açoriana têm sofrido com a política de privatização de grandes empresas estratégicas, de degradação de serviços públicos e de colocação das contas públicas ao serviço dos lucros dos grandes grupos económicos, com consequências sociais desastrosas - e que se refletem na qualidade do emprego.
Intervenção do Deputado do PCP, João Paulo Corvelo,
na Interpelação ao Governo Regional sobre “Crescimento económico e criação de emprego”
22 de Junho de 2017
Senhora Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo,
Senhores Membros do Governo,
Abordar o tema do crescimento económico e criação de emprego, implica desde logo e quanto a nós que sejam colocadas duas questões muito simples.
Primeira: Que crescimento económico?
Segunda: Que emprego?
E isto se não quisermos embarcar na corrente das pomposas declarações, entrevistas e debates nos quais quer os números quer os conceitos, convenientemente embrulhados em termos pretensamente técnicos e convenientemente em língua inglesa, são apresentados como leis universais infalíveis, perante as quais os comuns dos mortais para além de não as compreender não podem ousar sequer cometer o sacrilégio de duvidar muito menos contestar.
Ora, bastará olharmos para a história mais recente para termos exemplos práticos do completo divórcio entre os números e a realidade, sendo certo que a realidade neste domínio tal como as forças da natureza acaba sempre por impor-se.
Falar e debater economia e nomeadamente crescimento económico nos Açores exige portanto um olhar atento à nossa volta e, antes de mais, colocarmos desde logo esta questão:
Temos e queremos um crescimento económico para melhorar o nível e a qualidade de vida da população em geral da nossa Região, ou temos e queremos um crescimento económico que se traduza em bonitos números, bonitas contas mas que ao invés de servir para melhorar o nível e as condições de vida de toda a população da Região, piora o seu nível de vida, restringe os seus direitos, aumenta o fosso entre ricos e pobres e se sustenta sobretudo numa mão de obra barata cuja taxa de desemprego elevada e o despedimento por dá cá aquela palha mantém a generalidade do povo servil e subservientemente ao serviço desta economia que apesar disso se pode apresentar saudável e pujante na força de alguns números, mas apenas e tão somente para benefício de alguns?
Senhora Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo,
Senhores Membros do Governo,
Quanto a este tipo de economia, seja a pretexto do equilíbrio das contas públicas e do resgate financeiro do País e da Troika, seja a pretexto do desenvolvimento económico tivemos a nível da República e de má memória os governos PS/Sócrates e PSD/CDS/Passos/Portas, com resultados desastrosos para a generalidade do Povo português mas com chorudas negociatas e resultados muito positivos para alguns grandes acionistas de grandes grupos económicos, de que poderíamos dar como exemplo a SLN.
Tudo isto enquanto um número elevadíssimo de pequenas e médias empresas eram sufocadas e levadas à falência, e empresas estratégicas fundamentais eram vendidas ao desbarato, enquanto por exemplo se isentava uma companhia aérea low-cost do pagamento de taxas porque a mesma se comprometia a fazer base num dos nossos aeroportos e criar umas centenas de postos de trabalho e isso é que era importante para a estatística e para os números dos indicadores económicos, não importando o facto de todos os postos de trabalho serem precários e mal pagos, mas se recusava o mesmo tratamento ou qualquer benesse para a nossa companhia de bandeira apesar desta ser a principal exportadora nacional.
Tudo isto enquanto se procedia a roubos inauditos aos salários, aos direitos dos trabalhadores, a toda a população activa, aos reformados e aposentados.
Tudo isto enquanto se tentava desmantelar e acabar com o ensino público, se atacavam e diabolizavam os seus profissionais, designadamente os professores.
Tudo isto enquanto tentavam desmantelar e acabar com o Serviço Nacional de Saúde.
Tudo isto sempre em nome do crescimento económico e da criação de emprego entre os desígnios da completa subserviência às imposições próprias de potências coloniais que a Troika tão denodadamente representava e defendia.
Se é certo que a derrota de tais políticas e teorias económicas permitiu na República abrir caminho a uma política de recuperação e reversão dos mais nefastos aspetos sociais e económicos da mesma, o que parece também não oferecer dúvidas é que os seguidores deste modelo de desenvolvimento económico longe de assumirem a derrota do mesmo, persistem em manter muitos dos seus aspetos fundamentais.
Não precisaria ir mais longe para o percebermos do que observarmos toda a resistência a qualquer alteração à legislação laboral, por mais justa e necessária que seja, como a revogação da caducidade das convenções de trabalho ou o combate efetivo à precariedade laboral que o PS nos Açores assumiu de forma muito clara apenas querer fingir combater, o que naturalmente deixa sobejas preocupações quanto ao tipo de economia e de crescimento económico que este partido e o seu governo pretendem para a Região.
Senhora Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo,
Senhores Membros do Governo,
Quando a pretexto deste debate sobre crescimento económico e criação de emprego vemos o Governo e o Partido Socialista a tentarem embandeirar em arco, agitando números das estatísticas sobre crescimento económico e sobre emprego, não podemos passar sem questionar qual e que tipo de desenvolvimento económico é esse.
Será desenvolvimento económico sustentável um desenvolvimento cuja aposta é quase exclusivamente no sector terciário da economia?
Basta conhecer a realidade, e nem mesmo a leitura enviesada dos números o consegue contrariar, para perceber que o crescimento económico verificado na Região radica essencialmente no crescimento verificado no sector do turismo.
Se não descuramos nem enjeitamos de modo algum a importância de uma aposta séria, criteriosa e bem feita no sector do turismo, já nos preocupa o rumo para o qual essa aposta está cada vez mais direcionada. Rumo este que em experiências alheias acabaram por colocar em risco o próprio sector e que não auguram também aqui que seja uma aposta sustentada e com um futuro muito risonho.
Muito gostaríamos se no futuro viéssemos a ter de reconhecer que afinal nos havíamos enganado, contudo não podemos deixar de nos interrogarmos:
Será na venda de bens e serviços que reside o futuro da nossa Região?
Dirá o Governo e o PS que a aposta no desenvolvimento económico não se resume aos sectores terciário e primário da economia e que o sector secundário é merecedor da maior atenção e objecto das mais acertadas medidas que são garante do seu crescimento.
Todavia, quando vemos as políticas concretas em relação às indústrias transformadoras e ao encerramento de unidades produtivas, como vemos em relação à SINAGA, à Fábrica do Álcool da Lagoa, ao encerramento da fábrica da COFACO do Faial e ao recente encerramento da fábrica da COFACO no Pico, pretensamente por um prazo de 18 meses e o Governo assobia para o lado ou confessa-se impotente para agir, atirando para outros as responsabilidades na matéria, ficamos esclarecidos quanto ao crescimento económico do sector secundário.
Resta pois a questão de saber se será a venda de bens e serviços capaz de assegurar e manter um crescimento aceitável do sector primário, agora e no futuro?
Parece-nos evidente que o crescimento do sector primário a reboque do sector terciário terá sempre um limite de crescimento que um pico momentâneo de crescimento não garante de modo algum que se verifique de modo constante e permanente. Mais ainda se levarmos em linha de conta que a realidade é que mesmo hoje, quando nos querem convencer do contrário, o sector do turismo ao invés de promover e vender a produção própria do nosso sector primário opta por promover e vender os mesmos produtos mas importados, em boa parte, do estrangeiro.
Senhora Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo,
Senhores Membros do Governo,
Para nós, PCP, não faz sentido falar de crescimento económico sem que esse crescimento se traduza numa justa e equilibrada distribuição da riqueza gerada, como não faz qualquer sentido falar de emprego apenas para fins estatísticos mas com vínculos precários e sem direitos. Não é essa a economia que defendemos, não é esse seguramente o crescimento económico a que os açorianos aspiram e têm direito.
Bem sabemos que o governo é hábil, como aliás ainda recentemente o demonstrou nesta Assembleia em trabalhar os números dos trabalhadores com vínculos precários, fazendo passes de mágica com os números dos trabalhadores em programas ocupacionais, transformando e alterando a realidade dos factos em números do seu agrado e que sirvam para poder propagandear o sucesso das suas políticas na criação de emprego.
Também aqui a realidade contraria o cenário cor de rosa apresentado.
É que no último trimestre que temos conhecimento e registo através do Serviço Regional de Estatística os números estão longe de revelar tão belo cenário, pois se é certo que no total da população empregada se verificou um crescimento de 1,2% do emprego a tempo completo, o que é um facto é que no mesmo período o emprego a tempo parcial cresceu 19,7%.
Quanto aos tipos de vínculos contratuais os números também são elucidativos. Enquanto nos contratos sem termo certo, admitindo todos como permanentes, de facto se verificou um crescimento de 1,7%; os contratos a termo certo, portanto a prazo, diminuíram 0,8% número que por si só e isoladamente até poderia parecer muito positivo, não fora o facto do subemprego e o trabalho a tempo parcial ter registado o modesto crescimento de 24,7%, sendo que quanto a trabalhadores do sexo masculino o crescimento foi somente de 65%.
É esta a realidade que bem demonstra que tipo de desenvolvimento económico e que tipo de emprego é que o Governo e o PS representam na nossa Região e que os faz embandeirar em arco e como diz o nosso povo “Fazer a festa, atirar os foguetes e apanhar as canas”, só que neste caso quem leva na cabeça com as canas são os trabalhadores e os açorianos em geral.
Cidade da Horta, Sala das Sessões, 22 de Junho de 2017
O Deputado do PCP Açores