Foi há 149 anos que 129 operárias deram o exemplo ao mundo da sua
coragem e determinação na luta pela dignificação das condições de
trabalho e pelo direito à cidadania. Em 1910 e em homenagem a estas
mulheres foi fixado o dia 8 de Março como o Dia Internacional da
Mulher.
A “pausa” que proponho aos leitores que gentilmente me queiram acompanhar é a reflexão e a tomada de consciência do caminho percorrido e ainda a percorrer na efectivação desta mesma cidadania.
Há pessoas que já perceberam que uma coisa é a igualdade na lei e que outra é a igualdade na vida.
Outras pessoas, talvez a maioria das pessoas, nunca pensaram nisso.
Há também as que já pensaram, mas deixaram logo de pensar e assumiram que a diferença natural entre os sexos se comunica à desigualdade nos “papéis sociais de género”, entendidos assim como decorrentes da “natureza das coisas” e portanto, inelutáveis.
Viemos de uma sociedade de mundos repartidos, de esferas separadas: a pública para os homens e a privada para as mulheres, embora admitindo algumas incursões nos territórios reservados de uns e de outras. Por isso dizemos que as mulheres “ajudam” os maridos no sustento da casa e que os homens “ajudam” as mulheres no cuidado da casa.
Em Portugal, Salazar considerava, por exemplo, que o «trabalho feminino em casa era altamente compensador» porque «fora, a mulher ganhava pouco, desagregava a família, descurava os cuidados do lar...».
Nos últimos trinta anos de regime democrático, muito se fez em Portugal no campo legislativo quanto à temática da igualdade entre sexos, bem como no domínio da maternidade e da paternidade, tendo ainda sido aprovada legislação de protecção às mulheres vítimas de violência.
No plano formal, garantiu-se a igualdade de acesso ao emprego e a igualdade de tratamento entre sexos, proibiu-se a discriminação, garantiu-se o acesso das lesadas aos tribunais, ratificaram-se convenções e aplicaram-se directivas comunitárias.
Apesar da existência de um quadro jurídico favorável, a realidade é bem diferente para mais de metade da população.
As mulheres continuam, pelo menos uma grande maioria, no fundo da hierarquia, no trabalho, nos sindicatos, nos partidos políticos e nos governos. Quanto mais alto olharmos, menos mulheres encontramos.
As mulheres continuam a ser as maiores vítimas do desemprego, da pobreza, do trabalho sem direitos e pouco qualificado, de salários mais baixos, de assédio sexual e de todas as formas de violência e tortura.
As assimetrias no desenvolvimento humano das mulheres e dos homens são ainda tão flagrantes, como evidenciam todos os indicadores. Há pessoas que nem sabem que tais indicadores existem, ou se sabem não lhes ligam nem comparam a situação das mulheres e dos homens, acham tudo “natural” e, quanto muito, reflectem sobre as condições de vida da “população”.
Será legítimo esperar que, sem mais, as pessoas cumpram uma lei que vai contra hábitos arreigados há gerações, hábitos que se mantém perante a indiferença geral?
Onde e quando foi explicada a razão da lei que temos?
E a razão pela qual não tem razão a normatividade social que, por causa da diferença biológica de sexo – que permite a reprodução da espécie – quer tolher a nossa liberdade e nos acorrenta a papeis sociais de género já sem sentido no mundo de hoje?
Para que a igualdade prevista na lei se traduza em igualdade de facto é necessário demonstrar que as sociedades e as culturas não são estáticas e que a sua renovação depende mais de mudanças sociais do que de mudanças naturais. E que as pessoas só mudam os seus comportamentos de forma voluntária para se conformarem com a lei, quando assumem como seus, os valores que a própria lei consagra.
Temos todos a responsabilidade de trabalhar em direcção a uma sociedade que valoriza e promova a igualdade entre mulheres e homens. Nesta sociedade, as mulheres e os homens serão capazes de conciliar as responsabilidades familiares com o trabalho remunerado e de seguirem carreiras profissionais na base da igualdade.
A igualdade entre os sexos significa mais do que apenas direitos iguais, significa também oportunidades iguais, rendimentos e circunstâncias iguais. Isto significa a visibilidade, respeito, concessão de poderes e participação iguais de ambos os sexos em todos os ambientes da vida pública e privada. Não diz respeito apenas à atribuição de direitos sobre a igualdade, mas também à partilha de benefícios colectivos, incluindo emprego e responsabilidades.
Significa partilha do poder, não o poder de um sobre o outro de forma a inferiorizar um. O poder deverá existir para permitir que as pessoas tenham vidas decentes, segurança e um futuro tranquilo.
Esta sociedade não surge por si própria, tem de ser conquistada e ganha, passo a passo.
É necessário e urgente o reforço e a participação das mulheres na política, nos meios de comunicação social, nos sindicatos, em particular como negociadoras nas contratações colectivas e em todas as áreas vitais que marcam decisivamente o rumo das sociedades.
A educação e a formação são vitais para mudar atitudes e eliminar estereótipos acerca dos papéis das mulheres e dos homens.
Não podemos é esperar que o tempo resolva isto, nem que seja como dizem alguns, porque “as raparigas invadiram as universidades a igualdade é inevitável”.
Patricia Santos, In Terra Nostra, 10 de Março de 2006