(a)Terceira e (o)S. Miguel

mario_abrantes.jpgSem pretender senão o jogo metafórico, permitam-me por ocasião da semana que integrou o Dia Internacional da Mulher dizer-vos que não gostei. Poderia estar a ver-me integrado no grupo macho insinuado por aqueles out-doors infelizes que se vêem por aí a dizer que “Eles não gostam de celulite”, mas não.

Sobre isso, apenas dizer que não faço parte desse grupo e não gosto da condição subsidiária da mulher, em relação ao homem, como esses out-doors subliminarmente consagram. Eles ajudam à razão de todos os que invocam a necessidade de manter este dia internacional como fonte de luta pelo alcance legítimo da igualdade social, económica, cultural e política entre as variantes feminina e masculina do género humano. Se querem a felicidade, o homem e a mulher estão condenados a caminhar lado a lado por esta vida. Nem o primeiro à frente e a segunda atrás, nem a segunda contra o primeiro.

Sempre que os protagonistas da história assumiram essa “condenação”, a humanidade deu saltos em frente. Mas infelizmente, no cômputo geral, essas situações têm sido excepcionais e a norma é o regresso à besta subjugadora ou à guerra dos sexos. Nesta luta de há século e meio, apesar de desigual e de em muitas ocasiões prevalecer o desânimo e a derrota face às dificuldades que a razão enfrenta, a razão, como dizia o outro, não deixa de ser razão e, portanto, cedo ou tarde prevalecerá. Por isso não gostei daquele programa da RDP-Açores que deu no domingo passado (e foi repetido na segunda-feira) sobre o desalento dos agentes económicos da Ilha Terceira, nem tão pouco de alguns comentários sobre ele produzidos na imprensa. As vozes que se ouviram reflectiam uma inércia e um derrotismo profundo da objectivada vítima: (a) Terceira, perante o seu subjectivado algoz: (o) S. Miguel. Um muro de lamentações e uma confessada impotência para obstar ao centralismo micaelense, responsável de todos os males em que a Terceira se encontra afundada. Também, e no mesmo sentido, li de um comentador o “espanto dos micaelenses” pelo facto de ainda não estar assumido pelas gentes “das ilhas de baixo” o que é óbvio, isto é, (o) S.Miguel é todo-poderoso e todas as outras ilhas são (suas) subsidiárias. Espantou-me ainda o “Salomão” Cunha Rodrigues a pôr tudo em equilíbrio e a mandar o Governo Regional para o Pico…

Este programa radiofónico, por si e pelas reacções que provocou, em nada ajudou no combate às desigualdades e às dificuldades com que se defronta o desenvolvimento harmónico dos Açores no seu conjunto. Penso até que esteve longe da forma de estar e pensar da maioria dos terceirenses ou dos micaelenses. Para justificar diferenças e desequilíbrios que realmente existem, cometeu o erro de eleger inimigos absolutos que nem sempre o são: Não me digam que os lavradores terceirenses gostam mais dos industriais da Pronicol, que lhes baixaram o preço do leite, do que dos lavradores micaelenses, a quem a BEL fez o mesmo. Não me digam que os “rabos-tortos” das IPSS acham que os culpados pela sua não equiparação à função pública são os “japoneses” que igualmente trabalham nessas instituições. Ou ainda, agora pela positiva, não me digam que os excelentes protagonistas do “Fala Quem Sabe” só personificam os terceirenses! Entre humanos, como entre ilhas, mal está aquele (ou aquela) que só se consegue afirmar pela negação do outro… Bairrismo entre (a) Terceira e (o) S.Miguel sempre houve e haverá e, até, em muitas ocasiões tem sido gerador de emulação positiva. Mas as diferenças e os desequilíbrios (que realmente permanecem) implicam, não o desalento, mas a luta, e esta por sua vez, para dar saltos em frente, tem de ser travada por terceirenses e micaelenses lado a lado, e não doutra forma qualquer.

Mário Abrantes, In Jornal dos Açores, Ponta Delgada, 09 de Março de 2006