A generalidade dos portugueses após alguns anos a ouvir, repetida e
sistematicamente, especialistas, analistas, empresários e, alternantes,
responsáveis pela governação falar na grave crise económica e
financeira nacional tem(tinha) já interiorizado que talvez haja, de
facto, alguma inevitabilidade nas medidas que o governo do Eng. Pinto
de Sousa teve a “coragem” de tomar e que a hora é de sacrifícios para
que este ciclo recessivo possa, rapidamente, dar lugar a um período de
crescimento económico e à subsequente distribuição da riqueza gerada.
E, assim seria se os relatórios do exercício económico e financeiro das grandes empresas nacionais, que entretanto têm sido divulgados, não apresentassem resultados líquidos que nalguns casos triplicaram os, já de si fabulosos, lucros de anos anteriores.
Com o aproximar do fim do primeiro trimestre do ano em curso e à medida que foram sendo conhecidos os resultados do exercício das empresas as interrogações, sobre os efeitos da crise e, sobretudo, quem a paga, voltaram a instalar-se no quotidiano das conversas e preocupações dos portugueses. Nem mesmo a vitória do “glorioso” sobre os ingleses do Liverpool e a tomada de posse do novo Presidente da República fizeram com que as atenções se desviassem de tamanho paradoxo ou, como diz a sabedoria popular, “a bota não bate com a perdigota”.
Alguma coisa está errada. Será o discurso? Será alguma condição intrínseca e desconhecida desta crise? Será que é a incapacidade dos micros, pequenos e médios empresários para compreender e debelar a crise com que, efectivamente, se debatem? Serão os trabalhadores e os sindicatos?
Os grandes grupos económicos não são certamente… para esses não há crise que não dê em fartura, aliás, eles alimentam-se da(s) crise(s).
O Millennium BCP, a Caixa Geral de Depósitos (CGD), o Santander Totta, o Banco Espírito Santo (BES) e o Banco Português de Investimento (BPI) somaram lucros de 2,162 mil milhões de euros no último exercício, quando em 2004 tinham lucrado, 1,466 mil milhões de euros.
Mas nem só os grupos financeiros se “alimentam” da crise, dos resultados já apresentados pelas empresas verifica-se em todas elas ganhos que variam entre 17,7% e os 67% (Jornal de Negócios), isto não considerando as já referidas empresas financeiras e a EDP que apresentou um resultado que triplica o de 2004.
Do outro lado da crise temos 2 milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza, 500 mil desempregados, a destruição dos sectores sociais do estado, o aumento das taxas moderadoras, o congelamento da progressão nas carreiras da função pública, um salário mínimo nacional que não atinge os 400€ mensais, e um salário médio nacional que, considerando o salário médio dos países do grupo euro, nos coloca a todos (os portugueses), face ao nossos congéneres europeus do pelotão da frente, a viver muito abaixo do que eles consideram o limiar da pobreza.
Enfim, são as vicissitudes da integração europeia, o elevado défice público, a falta de competitividade da economia portuguesa, a baixa produtividade dos trabalhadores portugueses, a conjuntura internacional, a alta do petróleo, dirão os especialistas, os analistas, os empresários e, os alternantes, responsáveis pela governação deste deprimido país.
Por quanto tempo mais terá credibilidade este estafado discurso cujo objectivo é justificar o que comummente se está a tornar injustificável?
Anibal Pires, In Expresso das Nove, Ponta Delgada, 17 de Março de 2006