Dado que, pelo Presidente do Conselho de Administração da ASTA (a
empresa concessionária do Casino de Ponta Delgada), me foram pedidas
explicações a propósito do meu artigo da passada semana, e lamentando o
fastio que a repetição do tema possa causar a alguns Leitores, vejo-me
forçado no entanto a voltar ao assunto para tentar clarificar o
significado de alguns dos comentários então feitos.
Sobre a expropriação pela ASTA do património da EDA, no que diz respeito ao pagamento da respectiva indemnização, dizia eu que: “mesmo que a ASTA não tenha dinheiro, o Governo avança”. Com isto estava simplesmente, não a colocar em dúvida se a ASTA tinha ou não o dinheiro necessário para o efeito (até porque, para tomar posse administrativa dos bens expropriados, a ASTA tem de depositar o valor equivalente à sua avaliação da indemnização), mas a remeter o Leitor para os nºs 6 e 7 do Artº 23 do Código de Expropriações onde, respectivamente, se diz: “6 - O Estado garante o pagamento da justa indemnização, nos termos previstos no presente Código” e “7 – O Estado, quando satisfaça a indemnização, tem direito ao regresso sobre a entidade expropriante, podendo…etc., etc.”
Sobre a expressão por mim utilizada para caracterizar tanto a ASTA como a SONAE como “testas de ferro” nas operações em que estão actualmente envolvidos estes dois grupos, torna-se necessário esclarecer que aquele termo, quanto a mim, não equivale ao de “paus mandados”, pois se assim fosse teria utilizado este e não o anterior.
O termo “testas de ferro” significa antes: aqueles que avançam para a cabeça, fazendo-se acompanhar por outros na retaguarda (para o caso da ASTA referi os espanhóis e os irlandeses, para o caso da SONAE referi os franceses). São as hoje habitualmente chamadas “parcerias” que se procuram para os negócios de maior volume...
Tentando ainda, e para lá do acessório, não desviar o tema do que é mais essencial, queria destacar o que me parece ser um percurso perverso em toda esta história: O poder público utiliza o instrumento da utilidade pública com carácter de urgência com vista à expropriação dos terrenos de uma empresa de capitais (na altura) maioritariamente públicos (e que, além disso, fizera anteriormente um forte investimento imobiliário para a aquisição de uma parcela dos terrenos em causa), para entregar esses bens ao domínio privado (para exploração de jogos de sorte e azar) a preço imposto por avaliação ao abrigo do Código de Expropriações, isto é, muito inferior àquele a que potencialmente se chegaria por negociação livre. Há assim neste processo uma transferência objectiva de capitais do domínio público para o privado…em nome do interesse público, e forçada pela utilização da figura da expropriação, quando, em minha opinião, esta figura deveria ser usada sim, quando necessário, tendo em vista precisamente o inverso.
A título de exemplo: Seria ou não interessante declarar de utilidade pública a fábrica da baleia em S.Vicente e, caso não fosse possível a negociação com o banco detentor daquele património, expropriá-la, atribuindo à indemnização (devida pela entidade expropriada) um valor de acordo com o Código de Expropriações? Eu penso que sim, mas veríamos então se não era o banco a queixar-se dos mesmos males de que me tenho eu, enquanto cidadão, vindo a queixar em relação a todo o processo do Casino de Ponta Delgada…
Mário Abrantes, In Jornal dos Açores, Ponta Delgada, 22 de Março de 2006