A mim cabe fazer balanço, neste momento, essencialmente, porque no último dia 17 se completou 25 anos da minha permanência na ilha. Cheguei a Santa Maria no dia 17 de Março de 1981, quinta-feira por volta das 11 horas da manhã. Vinha do Faial onde estava a dar aulas. Não havia ninguém à minha espera e eu só tinha um nome, da pessoa que assinava o telegrama a informar que tinha sido admitida e que me deveria apresentar, logo que possível. Aliás, trazia, também, a recomendação para me dar a conhecer e cumprimentar o Director, de então, do Aeroporto, o Senhor Israel, que me recebeu com extraordinária simpatia. Confesso que o meu primeiro contacto visual com Santa Maria não foi dos mais agradáveis. Quando assomei à porta do avião e olhei em frente vi uma terra seca e acastanhada, muito diferente do verde da ilha de onde vinha. Quando concorri poderia ter escolhido qualquer uma das outras ilhas onde a então ANA, EP era responsável pelo respectivo aeroporto, ou ter mesmo ficado no Faial. Mas, porque a senhora em casa de quem estava hospedada me teceu os mais rasgados elogios às belezas e vivências de Santa Maria, foi essa a minha primeira escolha. Tivesse sido outra e qual teria sido a minha vida nestes últimos 25 anos? E qual foi a minha vida nestes últimos 25 anos? Casei, nasceram os nossos filhos, os três no velhinho Centro de Saúde, com atendimento de luxo, tiveram os sarampos e as bexigas loucas da praxe, frequentaram o Jardim Infantil da Mãe de Deus, a escola do Aeroporto e agora estão os três a preparar os seus futuros: dois em S Miguel e uma “lá fora” em Lisboa.
Foram muitas as pessoas que eu conheci, com quem criei e cultivei amizades. Santa Maria era, à época, e ainda o foi durante alguns anos, local de passagem inclusive de funcionários do aeroporto que vinham trabalhar em comissões de serviço: estavam durante algum tempo e quando a comissão terminava, ou renovavam ou iam embora de vez. Muitos estavam o tempo suficiente para que se justificasse trazerem consigo as famílias. O aeroporto, ou seja, a sua zona habitacional, fervilhava de vida. Havia crianças a brincar nas ruas dos bairros. Uma grande parte dessas crianças partiu há muitos anos. Contam-se pelos dedos das mãos os colegas dos meus filhos que ainda vivem em Santa Maria. Muitas das pessoas que conheci na altura já morreram. Enquanto ia escrevendo estas linhas recordei duas delas: Fernando Faria e Fernando Monteiro. Duas pessoas que, independentemente das suas opções políticas, fizeram parte do número de pessoas que prezei e cuja memória cultivo e a quem dirijo o meu pensamento em jeito de abraço e homenagem. De Fernando Monteiro, poeta mariense, talvez esquecido AO MAR DO NORTE, MEU MAR BRANCO… Oh mar branco Do norte fundo Envolve minha alma inteira Enrola-me na tua espuma Inquieta e fugidia… Na onda de lua em praia Leva-me para além Do fundo azul Minha nocturna Vivência Que me invadiu de tormenta!
Faz regressar minha esperança Naquela bruma de renda Dilui-me toda a saudade Em conchas De fogo vivo Nas chamas Do teu cadinho… Oh mar branco Enche a minh’alma Oh onda De vento deserto Marulha na areia quente Ecoa meu sofrimento Constante no turbilhão … No meu corpo dolente Sofro a vazante Da tua ausência Em cada instante … Oh vento Do mar do norte Regressa cindindo amor Na minha nascente dia primeiro Meu corpo em chama Entrou …. E nunca mais quis sair! Abraços marienses Santa Maria
Ana Loura, Rádio Asas do Atlântico, 20 de Março 2006