Curioso como, sempre que alguma greve se desencadeia (neste caso a da SATA), logo surgem cabeças aflitas a bradar nos jornais, aconselhando os trabalhadores à moderação; afirmando que não são contra o direito à greve, mas, de seguida, que a greve não resolve os problemas, antes os agrava; que as pretensões dos trabalhadores até podem ser justas, mas não se devem reclamar desta forma; que os trabalhadores que não aderem são os mais prejudicados e, usando até argumentos bombásticos como aquele que li na sexta-feira passada num diário de S. Miguel, emitido pela boca de um jurista (e configurando ameaças veladas de despedimento), de que as greves na actual conjuntura são um autêntico “suicídio de empregabilidade”…
Estas cabeças, não tendo embora a coragem de o afirmar, de facto são simplesmente contra o uso do direito à greve em qualquer circunstância, pois para elas a próxima greve, seja qual for e tenha os motivos que tiver, será igualmente irreflectida, e a outra a seguir, idem idem, aspas aspas!
Munindo-se de um espírito paternalista hipocritamente benéfico para os interesses dos trabalhadores, aconselham-nos a abandonar esta forma de se organizarem para defender os seus direitos, e, parecendo mais zeladores desses interesses que os próprios interessados, vão, em simultâneo, ameaçando de forma velada a manutenção dos seus postos de trabalho…A bem de quê? Da “economia real e da empresa”! (sic)
Portanto: aos trabalhadores compete-lhes simplesmente trabalhar “mais e melhor”, e à administração “administrar”, quaisquer que sejam as condições e a qualquer preço. Se não gostarem e reclamarem…rua!
E cá estamos, desta forma remetidos, para os anos do fascismo em Portugal, onde era assim que se abordavam as contradições existentes entre trabalhadores e empregadores, ou seja, em que uma das partes, por maiores razões que lhe assistissem…estava sempre impedida de ter razão e lutar por ela. E qual foi o ganho continuado do país e do conjunto da sua população com esta abordagem política? Mais ditadura, mais miséria e mais emigração...
Não Senhor Doutor, a razão da força combate-se com a força da razão, e no Portugal pós-25 de Abril os trabalhadores e o povo português no seu conjunto ganharam o direito à sua emancipação; o direito a pensar pela sua própria cabeça e a deixarem de ter patronos terrenos que outrora tão bem os aconselhavam à submissão pura.
Não senhor Doutor, o “suicídio da empregabilidade”, pelas “agências de kamikazes” (o nome que V. Ex. dá aos sindicatos!), não existe. E de entre os 600.000 desempregados portugueses, contam-se pelos dedos aqueles que perderam o seu posto de trabalho por causa de terem feito greves (pelo contrário, para muitos foi exactamente a greve que evitou que fossem para o desemprego), e, não sendo todos, são no entanto aos milhares e milhares aqueles que se encontram em situação de desemprego devido à acção de administrações corruptas, incompetentes e gananciosas. Por causa de gente que, em nome da “economia real” quer “mais e melhor trabalho” em troca de cada vez menos direitos e menores salários. Por causa daqueles que, apesar dos 600.000 desempregados, querem liberalizar ainda mais o desemprego.
Os trabalhadores e os desempregados agradecem, mas dispensam bem os seus conselhos, Sr. Doutor, pela simples razão de que esses conselhos nada adiantam senão para agravar ainda mais a situação difícil que lhes tem vindo a ser criada pelas actuais “administrações” políticas do país e da Europa…
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado no jornal "Diário dos Açores" na sua edição do dia 9 de Julho de 2010