Há um mês e meio atrás, a propósito do destino futuro das Lajes como base de treino para caças americanos de última geração, escrevia nesta coluna este vosso criado: “…Ignorando as vantagens da cooperação pacífica com outros estados e alinhando potencialmente com políticas belicistas de âmbito mundial, os Açores e o País foram, neste caso, mais papistas que o papa, mas ficaram, ao que tudo indica, de mãos a abanar…”
E não é que, na sequência de uma pergunta do deputado António Filipe, do PCP, ficou-se a saber que provavelmente por obra e graça da recessão norte-americana (e para vergonha das propostas alternativas que os Açores e o País nunca apresentaram antes aos States), ficaram mesmo?
Ora, perante a continuação deste silêncio “desaproveitador” e submisso, do lado dos soberanos do território da base, apenas quebrado pelas “insignificantes” vozes do Presidente da Câmara da Praia ou da promotora do abaixo-assinado contra a instalação do campo de treinos, ficamos assim obviamente obrigados a ater-nos aos ventos que sopram do lado dos arrendatários (a quem, a bem dizer, nem sequer esse nome encaixa com rigor, já que, de momento, tão-pouco pagam qualquer renda).
E assim, fruto da reflexão estratégica norte-americana, fala-se agora então de um novo papel (militar e ofensivo…) para a base, mas também, e isto é que é a novidade, da hipótese da sua utilização para fins pacíficos, como plataforma recuada de apoio a missões humanitárias em África.
A recessão nos EUA, por mais que se vá tentando encobrir, é de facto mais profunda e persistente do que se previa, e, feitas as contas, um soldado americano no Afeganistão está a custar um milhão de dólares por ano (um pouco mais que os 9.324 euros de salário médio anual de um português, não acham?)…Portanto, para tirar daqui ilações, bastará socorrer-nos de La Pallice!
A continuidade das vantagens de que actualmente nela usufruem, aliada a uma reconversão da base para fins pacíficos (humanitários, científicos, ambientais ou tecnológicos), custaria aos EUA infinitamente menos que a sua manutenção para fins militares ofensivos.
Mas atenção! Atrás da boa novidade, motivada pela recessão, vêm as saudades do império. A retirada inglória, mas positiva, do Iraque, “só” deixou lá 50.000 soldados americanos (mais os privados). E a Administração americana achou por bem, em conformidade com esses “restos” que lá deixou, garantir de imediato que “os EUA nunca abandonariam os iraquianos”!
O que ocorreria entretanto, se os EUA optassem por desmantelar de facto o império, e os seus soldados espalhados pelo mundo voltassem para casa? Os “terroristas” (igualmente) espalhados pelo mundo invadiriam os EUA? Pouco provável! Os países com governos suportados pelos EUA iriam à falência? Pouco provável!
Mais provável seria os EUA manterem-se como uma grande potência económica e cultural, mas, desta feita, com a possibilidade reforçada de pôr fim à sua própria recessão interna e contribuir decisivamente para a expansão da paz mundial…E isto são apenas contas!
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado no jornal "Diário dos Açores na sua edição do dia 2 de Setembro de 2010