2 de Abril

mario_abrantes.jpg2 de Abril de 1546: por alvará de D. João III, vivemos há 460 anos na cidade de Ponta Delgada. Três anos antes, e também em Abril, a imagem do Senhor Santo Cristo chegou para habitar a iminente urbe.

Em Abril ainda, e após a Restauração, foi D. João IV aclamado em Ponta Delgada, e 60 anos depois, novamente em Abril, realizava-se nela a primeira procissão do Senhor. Mas o Abril de Ponta Delgada marca ainda, em 1835, a publicação do 1º número do Açoriano Oriental, 7 anos depois, o nascimento de Antero de Quental e 29 anos depois a fundação da filarmónica “Rival das Musas” em S. Pedro. As iluminações públicas, a óleo de peixe primeiro (1839) e, 45 anos depois, a gás, também tiveram início em Abril. Já em princípio do século XX o Abril de Ponta Delgada instala o primeiro cinematógrafo no Teatro Micaelense e funda o Banco Micaelense.

Quando a cidade já tinha 400 anos, para comemorar um tal evento, constrói-se em Abril um sólido e duradouro projecto urbanístico: o Bairro Económico em Santa Clara. Ponta Delgada é definitivamente uma cidade de média dimensão física mas de incomensurável dimensão histórica, cultural e económica. Hoje habitam as suas 4 freguesias (Santa Clara, S. José, Matriz/S. Sebastião e S.Pedro) mais de 20000 almas, devendo estender-se sensivelmente para o dobro o número dos seus habitantes, se considerarmos a chamada grande Ponta Delgada, isto é, as freguesias limítrofes que já se fundem num todo. Um todo que motiva uma profunda reflexão sobre o que se pretende que seja esta tendencial amálgama de investimentos urbanos sem estratégia de médio prazo e cada vez mais desordenados e (irremediavelmente?) descaracterizadores que estão em curso… Parabéns, contudo! O Abril de Ponta Delgada é, por destino histórico, também o Abril mais importante de Portugal.

Precisamente na data do aniversário da sua elevação a cidade, há 30 anos a esta parte (a 2 de Abril de 1976), é promulgada a nova Constituição da República Portuguesa, resultante de uma Revolução que transformou profundamente o “País da Ditadura e da Guerra prolongadas”. A Constituição revolucionária que, entre outras proclamações fundamentais, proclamou a Autonomia Político-Administrativa dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira. Revolucionária porque, quebrando as cadeias de um país aprisionado, proclamou a Democracia fundamentada não só nas liberdades políticas mas também na justiça social, nos direitos à plena cidadania e ao desenvolvimento, na livre fruição da cultura e no primado do poder político sobre o poder económico. Constituição que é, por isso mesmo, cada vez mais o alvo das reformas (ditas) “profundas” que o poder económico pretende impor ao poder político (através dos seus agentes nele instalados). Constituição que, ao nível do poder, quem a jurou cumprir e fazer cumprir, não partilhava ou deixou de partilhar do seu conteúdo integrado e fundamental, pretendendo tacitamente, e em conformidade, facilitar a respectiva descaracterização.

Parabéns apesar de tudo e por tudo o que consagras e continuarás a consagrar, não obstante os esforços continuados para te subverter, porque “quando o povo quer um mundo novo a sério, sempre se calam as vozes do alto império”, como diria António Aleixo...se tivesse feito as suas rimas, não antes, mas após o 25 de Abril.

Mário Abrantes, In Jornal dos Açores, Ponta Delgada, 30 de Março de 2006