Queixando-se do corte de verbas para as autarquias previsto no Orçamento de Estado proposto pelo PS, Berta Cabral afirma que Carlos César trocou os Açores por Sócrates. Entretanto Sócrates troca o País pelos mercados financeiros e o PSD, com (ou sem) mais um pedido de desculpas aos portugueses, decide… apoiar! E aqui temos como se entorna o caldinho pela mão de quem diz que o quer segurar...
Mas não se pense ser este apenas um caso de força maior, pois se recuarmos no tempo, até 22 de Fevereiro deste ano, uma publicação do “insuspeito” Instituto Sá Carneiro (do PSD), sem que nessa ocasião a Presidente deste partido nos Açores se rebelasse, já advogava como medida de curto prazo, “para diminuir a despesa pública”, uma “Redução de 10% das transferências do Estado para as Autarquias e Regiões Autónomas”. Medida essa aliás brilhantemente seguida e anunciada a 13 de Maio, com a bênção oportuna da visita papal, na apresentação do PEC 2 feita por…Sócrates.
César, pelo seu lado, preparando-se para rejeitar no Parlamento Regional a condenação das novas e gravíssimas medidas restritivas promovidas pelo seu partido, e subestimando o corte de verbas previsto no OE para as autarquias, prefere desviar as atenções e atacar antes a Câmara Municipal de Ponta Delgada acusando-a de gastar acima das suas possibilidades. Na mesma ocasião, José San Bento e os outros vereadores municipais do PS, numa dita de cooperação (“sem abdicar de divergências de fundo”, segundo eles) dispõem-se a… apoiar o orçamento da gastadora!
Tão amigos que eles se tornam em tempos difíceis…para os outros, claro!
O que isto mais me parece é a versão política de um jogo de wrestling profissional, uma arte de representação, onde os executantes criam um espectáculo de entretenimento simulando um combate desportivo, atacando-se de forma brutal e por vezes baixa, aparentando divergências de fundo (ao contrário de retóricas de vereadores), mas que estas se esfumam quando necessário e o público já pagou (votou) os bilhetes, para dar cobertura à natureza do “negócio”, como condição comum de sobrevivência mútua. Aquilo que os separa não é afinal a divergência de fundo, mas apenas jogos de poder…até que o árbitro os mande parar.
E o que se está passando neste país, é que alguém - os banqueiros e os mercados financeiros, pouco interessados se o executante será o PS ou o PSD, os mandou parar de momento com a jogatana porque outros valores mais altos se levantam e porque, não havendo maioria absoluta, os dois são necessários, não um de cada vez, mas ambos em simultâneo, para recrucificar o Zé Povinho. Pois é disso que se trata! Pelo menos 85 % das medidas do PEC 3 são para (voltar a) extorquir às famílias e aos de mais baixos rendimentos, segundo reconhece o misericordioso Bagão Félix, apesar de logo de seguida, não certamente por coerência de raciocínio mas provavelmente também a mando, afirmar que elas são as medidas necessárias (?)
“Obrigado por se orgulharem de nos tirar as coisas por que lutámos e às quais temos direito. Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria. Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero. Obrigado pela vossa mediocridade. E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer. Obrigado por nos exigirem mais do que pudemos dar. Obrigado por nos darem em troca quase nada. Obrigado por serem o que são. Obrigado por serem como são. Para que não sejamos também assim. E para que possamos reconhecer facilmente quem temos de rejeitar.” (De um poema de Joaquim Pessoa)
Mário Abrantes