Peixeirada em vez de política

jose_decq_motta.jpgAssisti, por estes dias, a um debate no Canal 1 da RTP onde tiveram assento dois conhecidos jornalistas, o candidato derrotado do PS à Câmara de Lisboa e um comentador que passa mais tempo sentado em frente a câmaras de televisão do que em qualquer outro sítio. O objecto do programa era o de debater aspectos vários do recente livro de Manuel Maria Carrilho sobre a campanha eleitoral municipal em que ele foi derrotado.

O tema geral do programa é difícil de caracterizar mas penso que a questão verdadeiramente central é a da manipulação que, sob muitas formas, é de facto feita. Quem viu o programa, pode ter mais simpatia por um ou outro dos intervenientes, mas independentemente disso, não restam duvidas que há uma conclusão óbvia e que diz respeito às manipulações múltiplas, manobras sujas, intenções e atitudes perversas que são diariamente feitas tendo em vista influenciar as opiniões dos eleitores. O programa de televisão que estou a referir transformou-se mais numa peixeirada de ajuste de várias contas do que num programa claro de debate. Mas será porventura essa a questão menos importante. Sério, sério é tudo quanto está por de trás daquilo que apareceu.

Percebe-se que a acção de “agências de comunicação”, ligações directas entre directores de campanha e directores de informação de Órgãos de Comunicação Social, contactos de líderes com jornalistas, etc., são mecanismos usados de forma corrente. O que se percebe no fundo é que há uma poderosa máquina montada para proteger uns candidatos e prejudicar outros. O que se percebe é que a ética profissional de quem a tem que ter e a ética política que todos temos que ter, andam profundamente arredadas desses espaços onde estes fenómenos existem. O que se percebe é que há jornalistas destacados que se arrogam a ter o direito de manipular a opinião pública e que há políticos destacados que recorrem a essas “colaborações”. O que se percebe é que existe uma imensa e enorme falta de respeito pela liberdade dos cidadãos e pelo direito que cada um de nós tem de fazer as suas escolhas políticas em liberdade plena. O que se percebe é que há poderes económicos sentados ao fundo das salas da intriga “política” e de manipulação desenfreada a manobrar os vários intervenientes. Se juntarmos a isto as manipulações directas exercidas pelos poderes políticos instalados, com inaugurações, favores, benesses, cedências e “jeitos”, vamos concerteza concluir que a nossa democracia está muito enfraquecida pela introdução e realização de práticas não democráticas.

Quando, como aconteceu no programa de televisão referido, o Sr. Carrilho, por ter perdido, denuncia situações, ou o Sr. Rangel tenta ajustar contas com quem o substituiu, ou o Sr. Costa se justifica revelando alguns dos seus contactos que incluem o director de campanha do Sr. Carrilho, então para mim e para muitos, começa “a cheirar mais do que mal” e começamos a perceber que aquele é um “outro mundo” onde vale tudo e onde nem se pensa em ser democrata. Face a esta situação qualquer democrata tem que ficar preocupado pois o que está em causa é a adulteração da vontade popular através de processos de manipulação social que são profundamente condenáveis. Há que lutar contra esta situação e contra todas as formas de manipulação onde quer que elas se façam sentir. Transformar a política em manipulação e transformar o debate político em peixeirada são atitudes próprias de quem quer marcar negativamente a natureza do nosso regime político. Trinta e dois anos depois do 25 de Abril é preciso estar disposto a lutar contra este estado de coisas.

José Decq Mota