Não é por aí!

Mário AbrantesNuma avalanche persistente, simultânea e concertada de austeridade, de pensamento único da absolutização do controlo do défice e de grandes investimentos no setor financeiro privado, tudo com um suporte orientador decisivo promovido pelos grandes “fabricantes” da informação, tudo imposto evitando até ao limite que se oiçam os protestos e desvalorizando as opiniões diversas, tudo justificado pelas mais diferentes razões menos pela identificação das causas e dos principais responsáveis pela crise e recessão que alastra em diversos países na zona europeia, naturalmente que confunde e quebra a lucidez do pensamento e das convicções do cidadão que neste desastre se vê envolvido e por ele, de uma forma ou de outra, é vitimado…
“Não sei por onde vou. Não sei para onde vou. Sei que não vou por aí!” Em meu entender, o Cântico Negro de José Régio explica magistralmente o comportamento do eleitorado grego, francês e até (apesar de serem apenas eleições regionais) do eleitorado alemão, neste fim-de-semana que passou…
Mesmo que François Hollande muito provavelmente venha a desiludir; mesmo que na Grécia não se consiga formar governo; mesmo que na Alemanha a autoassumida “dona” da Europa se mantenha no poder, é vê-los todos, perante o vigoroso “NÃO” à(s) troika(s) e à austeridade, subjacentes ao comportamento dos eleitores, a mudar o discurso (radicalizado agora em Mário Soares, mas, pasme-se, até no PSD em Portugal) para falar no crescimento para além da austeridade e nas medidas para o combate ao desemprego. Sente-se ora a inconsequência palavrosa (de que, em relação a Mário Soares, logo o PS se veio distanciar), ora a hipocrisia de corpo inteiro, em tudo isto. Falam em mudanças para assegurar o poder (ou ganhar pontos na ambição de o alcançar) para que, no essencial, tudo continue na mesma…
Impõe-se portanto, também em Portugal e nos Açores, desmontar uma saída impossível e utópica que é a de pretender conjugar simultaneamente o intocável compromisso troikista de assistência financeira, com a adoção de medidas de crescimento económico e de combate ao desemprego. Não é por aí!
Também em Portugal e nos Açores (neste caso, apesar do rol imenso de soluções fáceis para problemas antigos, repentinamente encontradas em tempo de pré-campanha) se impõe responsabilizar aqueles que partilhando alternadamente o poder ao longo dos últimos 30 anos, conduziram o país e a região ao sufoco sem saída em que se encontram.
Ao longo desses anos, nesta alternância pouco plural, a dedicação desinteressada à causa pública foi sendo substituída pela ambição de ser governo, pelo empenho na conquista ou na manutenção do poder a qualquer preço, na exploração das suas benesses e oportunidades, e na negação sistemática da capacidade e da inteligência dos outros. Por isso chegámos aqui!
E para que nem tudo continue na mesma, apercebendo-nos também por cá, como em França, na Grécia ou na Alemanha, dos caminhos errados por onde temos vindo a ser conduzidos, impõe-se pois que o pluralismo democrático, na condução da política pública, não se reduza ao conjunto dos partidos do chamado “arco” do poder, gerando governos quase sempre com maioria absoluta que no essencial, apesar da diferença das moscas, acabam sempre fazendo o mesmo ou pior, logo que adquirem (assediam) os votos necessários para tal…

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado a 14 de maio de 2012