Não é por aí! (cont.)

mario_abrantesMário Soares defendeu em entrevista ao jornal "i" que é tempo de o PS romper o acordo com a troika, uma vez que austeridade só cria "recessão e desemprego."
Em domingo de Santo Cristo, Mota Amaral afirmou: “O neo-liberalismo económico vai deixando por toda a Europa um rasto de destruição e ruína…” ”...A perigosa ortodoxia financeira imposta pelo atual governo da Alemanha está lançando os países mais aflitos em recessão prolongada…” ”Seria rematada loucura não mudar de rumo, deixando a União Europeia afundar-se e até porventura desfazer-se…”
No mesmo dia, Álvaro Dâmaso foi perentório: “Na França e na Grécia os eleitores votaram contra a política de austeridade. Em Portugal ganhou força a ideia dos que defendem que o país deverá renegociar com a troika…” ”…uma nova estratégia orçamental é necessária…” ”…para os países mais endividados, deve ser alargado o prazo da meta do défice orçamental…” ”…assiste-se à definitiva queda do eixo Alemanha-França que subvertia a ordem política europeia…”
Sendo interessantes e tendo todas elas subjacentes a ideia da necessidade de uma mudança profunda no atual rumo político português e da Europa, estas declarações, dum homem do PS que liderou o processo da adesão de Portugal à União Europeia, e de dois homens que há anos estavam profundamente ligados à direção do PSD, partido que lidera o rumo inflexível e desastroso da austeridade em Portugal, suscitam-me dois comentários:
1º Mas alguém viu algum destes homens antes, quando possuíam poderes de decisão política que hoje não possuem, a manifestar a sua opção contrária a alguma das importantes decisões que os seus partidos foram tomando durante décadas, e que conduziriam inevitavelmente, como outros preveniram, o país e o espaço europeu à desgraçada situação em que atualmente se encontram? Fica o registo do eventual descargo de consciência que revelam agora, e a razão (tardia) que de alguma forma vêm dar a quem, em tempo útil, a preveniu e previu com séria e preocupada antecedência. Mas, infelizmente (ou por isso mesmo), agora de pouco serve…
2º O socialismo desapareceu na gaveta, e foi Soares que lá o encerrou. E foi precisamente isso que abriu caminho a que um qualquer António José Seguro de imediato pusesse piedosamente na ordem o seu ex-secretário geral mais as suas declarações insanas, reafirmando a fidelidade do PS aos compromissos troikistas. A social-democracia está moribunda, diluindo-se em neo-liberalismo militante, avesso a qualquer inflexão na disciplina financeira recessiva e desempregadora, no esvaziamento das funções sociais do Estado, e promotor da desordem mercantilista e especulativa. Só isso permite que, às preocupações de Amaral e Dâmaso, Passos Coelho responda…nada, e Berta Cabral, solidarizando-se efusivamente com as “corajosas” medidas deste último, se proponha com ele firmar contrato, pós-eleitoral, para a sua extensão sistemática aos Açores.
Nenhuma mudança credível se pode esperar da continuidade, e ainda menos do reforço, das políticas de controlo do défice, de austeridade regressiva e de desemprego acelerado (a que chamam de reformas estruturais). Mudança credível não é fomentar a emigração e o desemprego, passando a considerá-los como oportunidades saudáveis!
As mudanças credíveis e necessárias são outras e o vento que as sopra não vem nem da troika (e dos que assinaram com ela) nem daqueles que de momento se apoderaram do poder executivo em Portugal…

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 19 de maio de 2012