“Nova lógica de intervenção pública”, o que é?

Mário AbrantesEnquanto, de forma desbocada, o seu conselheiro-mor – António Borges (ex-funcionário do FMI, detentor de um rendimento de 225 mil euros/ano) – advoga nova baixa urgente dos salários em Portugal, Passos Coelho, fingindo-se distante de tais propósitos e afirmando agir com “compaixão”, ou agradecendo “a paciência dos portugueses”, faz um rasgado auto-elogio ao seu governo, após um ano de exercício.

Estamos sem dúvida perante um momento caricato da profunda tragédia político-social para a qual o nosso país está a ser conscientemente conduzido, com a anuência prática do PS, entalado pela assinatura do pacto troikista. Ao fim de um ano, é o Estado político, isto é, o governo e a maioria PSD/CDS, a negar, e a antagonizar mesmo, o Estado real e concreto do qual deveriam emanar, isto é, o Povo. É o Estado, agindo como antagonista da sociedade civil, a negar-se a si próprio e a diluir-se numa corporação de interesses contraditórios e alheios ao interesse comum e nacional.

Desde que tomaram posse, não há limites da decência política e moral que a subserviência do governo de Passos Coelho aos interesses alemães e à finança internacional não rasguem. E, deste Povo, em consequência disso empurrado para o empobrecimento, o alvo particular tem sido sistematicamente a espinha dorsal da produção: os trabalhadores. Num ano, 203.500 deles foram enviados para o desemprego, a maioria sem direito a subsídio, e 30 empresas fecharam diariamente. Para os que restam no ativo, a quebra (absoluta, relativa ou induzida) de salários, por via legislativa ou da ação governativa, foi permanente, aumentando para quase 40 % o número de trabalhadores a ganhar menos de 600 euros/mês. Pior que na Grécia, portanto…Mas nem isso impediu que o Banco de Portugal recomendasse, ao fim de um ano de reduções sucessivas, atrás de António Borges e do silêncio comprometedor de Passos Coelho, novas reduções salariais já para este ano!

Com destaque para Mário Fortuna, defendendo de forma mais ou menos encapotada a extensão integral e direta aos Açores desta política desastrosa e sem futuro do governo da república (para 2013 já ninguém prevê qualquer recuperação), chamando-lhe com sentido anestesiante “nova lógica de intervenção pública”, e desdobrando-se em entrevistas ou artigos de opinião, não são poucos os candidatos a conselheiros económicos de um hipotético governo regional de maioria PSD/CDS que, pululando de jornal em jornal, em sintonia com a pré-campanha eleitoral, por cá se vão manifestando.

Utilizando a oportunidade de responsabilizar por isso não a sua efetiva vontade mas antes as obrigações impostas pelo pacto troikista e chamando-lhe quer seja “nova lógica de intervenção pública” ou outros epítetos falsamente inocentes, a promoção do desemprego, a diminuição do investimento público, a descida dos salários (já inferiores à média nacional), e a afetação direta de mais e mais património e verbas do orçamento público aos interesses privados, em prejuízo das obrigações sociais da região, constituiriam, tal como têm constituído para o governo da república, os instrumentos económicos privilegiados de que se serviria um governo de maioria PSD/CDS nos Açores.

Não deixando de salientar quão prejudiciais têm sido as cedências à política troikista, especialmente no âmbito dos interesses laborais, que a inconveniente maioria absoluta atual do PS proporcionou, desta forma no entanto, à semelhança do que se passa no país e em nome de interesses alheios, um governo PSD/CDS retiraria por completo à Autonomia a sua capacidade para defender os trabalhadores açorianos e para promover a coesão regional. Em benefício de poucos, comprometer-se-ia de vez o já débil mercado interno dos Açores e a viabilidade de muitas mais das suas empresas.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 14 de junho de 2012