Exageros do costume

jorge_cordeiro.jpgSendo o desemprego e a precariedade credores de toda a atenção, as iniciativas que o BE realizou para lhe dar expressão não mereceriam comentário especial. O tema está aí, entre outros, e cada um trata do que entende dever tratar.

O que suscita réplica são as ilações políticas que os seus responsáveis, a começar por Louçã, decidiram extrair da sua «marcha contra a precariedade». Para Louçã – com a inatacável modéstia do costume – a marcha testemunharia que «não há nenhum outro partido capaz desta energia no país inteiro» apressando-se a concluir que ali mora «a esquerda que faz o combate mais duro». Que nos desculpe o autor das frases, e desculpando-nos os leitores pelo pleonasmo, mas parece-nos ser um exagero tão exagerada elaboração. Não desmerecendo do esforço dos quilómetros percorridos em nome de temas como os que a marcha justificou, trezentos segundo o que os próprios divulgaram, concluir daí que em matéria de energia não há quem os bata é manifestamente precipitado. Que os seus promotores exultem com a marcha e os seus efeitos é legitimo e natural, até porque andar faz bem à saúde. Mas se, em matéria energética, esse fosse um padrão de medida, muito mais energia se haveria de reconhecer nos milhares de caminheiros que pelo menos duas vezes por ano demandam o país (estes por razões espirituais) e, ao que se conhece, em condições um pouco mais penosas do que a dos marchantes desta causa social. Exagero portanto.

Como exagerado seria dali concluir que, por aquela razão, em matéria de dureza dos combates residisse no bloco quem «à esquerda» estaria em condições de os fazer. Gil Garcia, dirigente do BE, afirmou exultante a um semanário que «o que leva os trabalhadores a cumprimentar Louçã à porta das fábricas é o mesmo espirito que permitiu ao Hamas chegar ao poder na Palestina e eleger um operário para a presidência do Brasil». Por mais que nos esforcemos por compreender tanto entusiasmo ainda assim nos parece excessivo. É um facto inegável que à boleia da «marcha» foram ver trabalhadores e ao que tudo indica gostaram. Como será outro facto que, lá indo, não só cumprimentaram como foram cumprimentados. Mas daí a tão arrojada conclusão vai uma certa distância. Desde logo porque em matéria de trabalhadores e da sua defesa não basta ir ou passar por lá, é necessário lá estar na dureza da luta de todos os dias.

Depois porque, e sem contestar o que no ideário dos próprios ligará o Hamas ao Bloco, bastaria observar o contributo pessoal que Louçã já deu (ao apoiar candidatura concorrente) para dificultar a vitória de Lula da Silva para ficarmos imbuídos do espirito da coisa. Já não a pé, mas à boleia do Protesto Geral de dia 12, a Mesa Nacional do BE decidiu dedicar espaço a «causas» que até há pouco eram tidas como próprias de uma esquerda velha e imobilista. Bem vindos seriam, apesar de tardios, se o espírito não fosse como sempre o da mera concorrência com outros.

Jorge Cordeiro no Avante em 04/10/2006