Interesses por trás da poeira

mario_abrantesEm geral lúcidas, interessantes e que vale a pena serem lidas, foram a entrevista de Álvaro Dâmaso bem como a sua crónica, publicadas no jornal Açoriano Oriental do passado domingo. Mas, no seu escrito, após ter sobre os culpados da crise uma visão relativamente rigorosa, ou por não resistir ao facilitismo ou por distração, AD, em determinada altura da sua entrevista aparenta contradizer o que dissera antes na crónica e atira-nos aos olhos com a poeirenta nuvem das culpas da atual crise serem não só “das empresas, dos bancos, e dos Estados” mas também “das famílias que se endividaram demais”. Dito de forma mais insidiosa, a culpa foi também de as pessoas terem andado para aí a viver acima das suas possibilidades. Ora nada melhor, para adormecer hoje a resistência ao assalto à bolsa e aos direitos dessas pessoas, de quem trabalha e até de quem tem mais baixos rendimentos, do que dizer-lhes (embora eles não saibam bem como é que o fizeram) que eles próprios gastaram demais e usufruíram direitos em demasia, ontem.

Isto é poeira para os olhos. O que estamos a pagar hoje não é dívida nossa (pelo menos uma parte substancial dela), é, como AD também diz, dívida “do setor imobiliário e do sistema financeiro, que assentou depois nos orçamentos públicos”. Curioso é que sendo nós chamados (indevidamente) à responsabilidade dessa dívida, através de cortes severos e restrições múltiplas, o produto da extorsão subsequente, processada por gente doutorada à pressa e com bandeira portuguesa à lapela, serve para entregar dinheiro em torrentes àqueles que verdadeiramente gastaram acima das suas possibilidades, isto é, à banca e à finança nacional e internacional, os responsáveis tanto pela dívida como pelos posteriores juros leoninos da sua cobrança!

Poeira para os olhos também é, como ouvi justificar, pretender marcar eleições regionais para uma data anterior à aprovação do orçamento de Estado/2013, com vista a poder influenciá-lo a bem dos Açores. Só pode propor isto quem, sabendo que, pela antecipação das eleições em uma ou duas semanas, não terá ocasião para influenciar o que quer que seja (aliás, quem teve obrigação de o fazer foi naturalmente o Governo Regional no encontro de ontem com o Primeiro-Ministro), mas evitará certamente que os potenciais eleitores do PSD e do CDS se apercebam em tempo útil de um Orçamento de Estado ruinoso para os Açores, da autoria dum Governo em que esses partidos se encontram coligados.

E, como se não bastasse já, aqui vem mais poeira pré-eleitoral: De pouco serviram influências dos dois maiores partidos na Região para evitar que a guilhotina, sob a mão do carrasco Relvas, descesse sobre o pescoço da RTP-Açores. Há até, dentro do PSD/Açores, quem esteja muito satisfeito com a execução desta sentença, já que, após a humilhante instituição da janela das 6 horas que substituiu a televisão pública açoriana, nunca se tinha visto antes um tal serviço público (que só se mantém público afinal porque é pago por todos nós) beneficiar tanto nos Açores, em desprimor das restantes forças políticas, as extensões partidárias açorianas dos partidos do poder…na República! Assim será o destino da maioria das principais promessas eleitorais que estão a ser feitas quotidianamente pelos cabeças de lista dos dois principais partidos na Região, o Orçamento de Estado ditará “infelizmente” (e com a necessária “compreensão” dos açorianos) a sua posterior inexequibilidade…
Para já e na tentativa de recuperar fôlego, dados os objetivos furados e o vendaval de instabilidade e de incompetência que grassa no Governo de Passos Coelho, passou a ser obviamente este, em detrimento dos Açores e da sustentabilidade das promessas avançadas pelos candidatos no terreno, o principal interessado em ganhar as eleições regionais de Outubro próximo.

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 23 de julho de 2012