A chegar à caixa de correio eletrónico de muita gente andam por aí umas mensagens, incluindo uma petição do mesmo teor, propondo-se acabar com as regalias dos deputados em nome da justiça social.
Que há regalias dos deputados que deveriam pura e simplesmente acabar (como as pensões vitalícias de que Ângelo Correia e Dias Loureiro, apesar do muito que já ganham, não pretendem abrir mão), estamos todos de acordo. Que ganham demais, tendo em conta a média nacional (cerca de 3.000 euros líquidos na Assembleia da República e um pouco menos na Assembleia Legislativa da RAA), também é verdade. Mas já tenho sérias dúvidas que procurar mobilizar prioritariamente os cidadãos para acabar com as regalias dos deputados constitua a melhor forma de repor a justiça social. Por melhores que sejam as intenções, o abuso de simplismo utilizado na linguagem e nos objetivos destas mensagens, visando “orientar” o descontentamento que alastra, resulta num autêntico tiro pela culatra…
Só António Mexia (EDP), com os seus 258.333 euros/mês, ganha quase o dobro do que ganham por mês TODOS OS 57 DEPUTADOS da Assembleia Legislativa da RAA. E se somarmos ao vencimento principal deste senhor, os vencimentos principais de Zeinel Bava, da PT (208.333 euros/Mês), de Paulo Azevedo, da SONAE (100.830 euros/mês), de Ricardo Salgado, do BES (100.000 euros/mês), de Alexandre Santos, do Pingo Doce (94.166,67 euros/mês) e de Eduardo Catroga, da EDP (45.000 euros/mês, mais os cerca de 9.000 que recebe de pensão vitalícia da Ass. da República), teremos que estas 6 PESSOAS ganham juntas um rendimento principal de cerca de 790.000 euros/mês, ou seja, mais do que ganham juntos TODOS OS 230 DEPUTADOS da Assembleia da República! A estes rendimentos juntar-se-ão aqueles que provavelmente a maioria, ou outra meia dúzia como estes, aufere por ter simplesmente o nome como membro do Conselho de Administração ou como gestor em outras 5 a 15 empresas ou instituições, de acordo com estatísticas recentemente divulgadas…
Quanto mais não fosse, só esta razão bastaria para pôr legitimamente em causa a pontaria dos mensageiros que veem no fim das regalias dos deputados a grande bandeira de luta pela justiça social!
Mas seria preciso ir mais longe. Tal como os partidos, e ao contrário da ideia simplista veiculada nas mensagens a que vimos aludindo, os deputados não são todos iguais e resultam da reconversão representativa dos votos dos eleitores em diferentes forças políticas. Sem representantes/deputados (bons ou maus…) das diferentes opiniões e interesses do país e da região, com poderes para decidir maioritariamente, não há regime democrático. Se uns pouco mais fazem que votar ou usam o parlamento para tratar de negócios particulares, de mãos dadas com a corrupção, outros há que, pela sua dedicação e seriedade, não prescindem do parlamento e dos poderes legislativos deste como legítima arma de luta pelos interesses do povo, do país ou da região. Há os que prescindem de regalias e até votam contra elas e também aqueles que quando se candidatam se comprometem por escrito a não serem beneficiados pelo exercício do cargo, em caso de eleição…
Ser-se deputado das forças políticas atualmente maioritárias transformou-se, muito provavelmente, numa oportunidade de negócio ou numa carreira onde as ideias mudam como o vento e se servem múltiplos interesses particulares. Ser-se deputado de outras forças é, mais provavelmente, uma honra e um compromisso político de serviço à comunidade onde se inserem.
Se o deputado não presta, seria conveniente dar maior atenção à origem partidária dos votos que o geraram e simplesmente assumir uma escolha eleitoral diferente, em lugar de se abster, lamentando que nenhum preste...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 12 de agosto de 2012