Golpes

anibal_pires.jpgOs recentes acontecimentos em Timor Lorosae que levaram à demissão do primeiro-ministro Mari Alkatiri estão, ainda, longe de estarem totalmente esclarecidos. A génese da “crise” e a motivação da potência regional são do conhecimento público e sustentam-se nas reservas petrolíferas do mar de Timor e na forma como o, reconhecidamente, duro negociador timorense (Alkatiri, de seu nome) conduziu o processo com o seu poderoso vizinho.

Processo que teve sempre subjacente a defesa dos interesses daquele jovem país e do seu povo. A Austrália não gostou e desde cedo expressou a sua reprovação pelas opções soberanas de Timor. A decisão de adoptar o português como língua oficial e a consequente integração na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) foi duramente criticada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros australiano que reprovou, publica e duramente, esta opção. As relações com a Malásia, China e Cuba e, mesmo com Portugal, nunca foram aceites pelo poderoso vizinho de Timor, que viu na diversidade das parcerias económicas e culturais um perigo para a sua hegemonia. O conflito político militar que se arrasta não tem desfecho marcado e o futuro é incerto. E digo, arrasta porque há fortes indícios que o conflito perdure, as armas e munições não foram todas recolhidas e os refugiados mantêm-se nos campos de acolhimento e não mostram vontade de sair.

Lá saberão porquê. Não tenho grandes aptidões para adivinhação e, por isso, vou apenas cingir-me a alguns dos contornos desta “crise”, que em minha opinião não foi mais do que um golpe de estado palaciano a que, inexplicavelmente ou talvez não, o presidente Xanana Gusmão se prestou e pelo qual Ramos Horta aguardava a oportunidade e, que serve por inteiro os interesses da Austrália, que como, facilmente, se percebe são bem diversos do povo maubere. Inexplicável é também a intervenção pública de uma cidadã estrangeira (australiana), por acaso esposa de Xanana, que se achou no direito de falar sobre o estado da nação timorense, criticar a actuação de Mari Alkatiri e exigindo que o marido o demitisse. Como inexplicável é a decisão de Xanana de contrariar e cancelar o pedido de Mari Alkatiri, feito a Lisboa, de envio de um contingente da GNR para o país. Com esta decisão Xanana abriu caminho à entrada de uma “força de ocupação” estrangeira.

O discurso divisionista de Xanana Gusmão com uma versão para consumo interno e outra para consumo externo em que, claramente, apelou a sentimentos tribais e dividiu o país em Loro-sae e Loro-mono dando, assim o seu apoio aos peticionários da demissão de Alkatiri pôs em causa o funcionamento das instituições e os valores do estado de direito. A lista é longa o espaço e o tempo são curtos. Apenas mais um facto, no mínimo estranho, divulgado na comunicação social a 25/26 de Julho. As forças da GNR, chamadas a intervir numa situação de ocupação de uma residência de um cooperante português, depararam com o major Alfredo Reinaldo (ou Reinado) e o seu grupo na posse de material de guerra, um dia após o prazo para a entrega voluntária de armas ter expirado. A intervenção de Xanana Gusmão, do procurador, do procurador-adjunto, de um vice-ministro e do 2.º comandante da Polícia Nacional, que teimaram em ignorar o mandato de captura emitido contra este militar, responsável pela morte de militares das FALINTIL-FDTL, que o protegeram colocando-o à guarda das forças australianas. Aliás, com convinha aos interesses externos.

Segunda-Feira, dia 21 de Agosto de 2006 Aníbal Pires em AZORESdigital