Deputados e presidentes

mario_abrantesEm contraponto à disciplina oficial da História, que consistia em memorizar de forma acrítica e sistemática um conjunto de datas e de nomes, sendo essencialmente composta (preenchida) por personalidades e heróis, descobria-se nos meios contestatários das universidades de então que, por mais líderes e personalidades que se invocassem, era afinal o povo, não como massa amorfa mas como agente político organizado, o seu obreiro decisivo. E dessa descoberta nascia a ação que combatia a ditadura (mentora da disciplina oficial) e que acabou por derrubá-la de armas na mão, ao fim de 48 anos de submissão imposta a todo o povo português, encarregando-se este último de demonstrar cabalmente, na prática, a razão da descoberta dos meios contestatários das universidades, isto é, quem era afinal o agente histórico efetivo da mudança. A revolução de 25 de Abril de 1974 em Portugal teve as suas personalidades e os seus heróis é certo, mas quem a preparou e concretizou, assumindo direitos de cidadania, derrubando a ditadura e alterando profundamente (no sentido progressista) o rumo político do País, foi o Povo e foram as Forças Armadas (que, por via do serviço militar obrigatório, afinal Povo eram também).

Tal como em 25 de Abril de 1974, a história está plena de exemplos de grandes mudanças progressistas e conquistas civilizacionais da humanidade que só aconteceram por obra do(s) povo(s) enquanto agente(s) políticos, em nome dos seus interesses comuns, em oposição a interesses particulares instalados e ao individualismo conservador que em geral sustentavam e se sustentavam da injustiça e da exploração de uns homens por outros homens, negando estes últimos, por essa via, o direito político de cidadania aos primeiros.

Em Outubro haverá eleições nos Açores. Dois protagonistas individuais, ditos candidatos a Presidente, preenchem em termos de informação (objetivamente manipulada) quase todo o espaço político disponível das opções artificiosamente apresentadas a escrutínio perante uma massa popular dada como amorfa, que ambos procuram arregimentar pressupondo que se mantenha como tal. Mas o que a História nos pode ensinar é que dois protagonistas individuais, candidatando-se para além do mais a um cargo não diretamente elegível (o cargo de Presidente do Governo Regional), e assumindo-se como plenipotenciários sobre o futuro dos Açores, não substituem, e em certa medida até contrariam, a vontade soberana do Povo Açoriano e as múltiplas opções que essa vontade, exercida de forma ativa e organizada pode determinar.

Aqueles que, apesar de inviamente preteridos pela informação manipulada em favor dos dois protagonistas individuais, serão os efetivamente eleitos de forma direta, podendo até provir de forças políticas bem diferentes das que apoiam aqueles, isto é, os futuros deputados do Parlamento Açoriano, terão uma responsabilidade muito particular: não a de representarem os interesses do centralismo e da troika junto do Povo mas a de representarem o Povo e a sua vontade soberana perante um poder centralista que, servindo interesses alheios, usurpa a cidadania e a autonomia política, empobrecendo o país e comprometendo o desenvolvimento socialmente útil dos Açores.

E em caso do ato eleitoral de Outubro determinar a ausência de maioria absoluta de deputados para qualquer dos partidos que suportam os dois ditos candidatos a Presidente, essa responsabilidade tornar-se-á mesmo crucial para, protagonistas individuais à parte, a vontade política soberana do Povo Açoriano poder vir a exprimir-se de forma consequente e eficaz no futuro imediato.


Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 6 de setembro de 2012