De forma expressiva, utilizando a arma do voto para castigar claramente o PSD e o CDS, os açorianos, tal como o têm feito de viva voz milhares e milhares de portugueses na rua, manifestaram nas eleições de domingo passado o seu repúdio pela política de desastre nacional que, contra tudo e contra todos, continua a ser levada por diante (e até reforçada, conforme o demonstra a proposta de Orçamento de Estado para 2013) pelo governo de coligação que se apossou do poder na República.
Mas não há bela sem senão. Ou porque crente na capacidade de resistência regional do PS às incidências mais danosas desta política, ou porque influenciado por uma perversa campanha (pejada de cúmplices e de retransmissores acríticos) centrada na falsa disputa eleitoral entre dois partidos para a “eleição” de um presidente do governo regional, ocultando dessa forma a real eleição de deputados à Assembleia Legislativa disputada por mais 10 partidos ou coligações, o eleitorado açoriano premiou indevidamente o PS, arrisco-me a dizê-lo, com uma maioria absoluta.
Indevidamente em minha opinião porque, enquanto partido subscritor da troika e do seu memorando de entendimento a nível nacional, um governo do PS nos Açores com maioria absoluta de deputados julgo que estará em última instância sempre cativo e sem a margem de manobra suficiente para se desvincular de um tal compromisso com os seus correligionários da República, por mais prejudicial que ele entretanto se mostre para a Autonomia e para os Açores (como aliás está plasmado nos cortes cegos e discricionários à Região previstos na proposta de OE para 2013). Atentando às gravíssimas consequências previsíveis da aplicação deste Orçamento, para que nos próximos tempos o parlamento regional e o governo dos Açores, no exercício das suas competências autonómicas, não viessem a ficar condicionados por compromissos partidários redutores deste tipo, seria bem mais eficaz uma outra composição parlamentar onde houvesse outras vozes (de deputados não pertencentes à maioria, e de preferência não vinculados ao compromisso troikista) determinantes para a configuração das posições a assumir pelos órgãos próprios da Região, perante a República e o seu atual governo. O próprio PS nos Açores, se as críticas de César a um orçamento “psicopata” e a sua opção subjacente pela queda do governo de Coelho e Portas fossem consequentes e realmente distanciadas das posições conservadoras de António José Seguro, teria até maior vantagem em defender tais posições caso elas fossem determinadas não por uma maioria absoluta de deputados do PS mas antes por uma maioria partidária diversa e consubstanciadora dos interesses regionais no parlamento açoriano.
Mas, a verdade é outra. Diria mesmo que existe até cumplicidade entre o PS e o PSD (vejam-se as posições despropositadas de António José Seguro e de Berta Cabral sobre a necessidade de reduzir o número de deputados tanto na Assembleia da República como na Assembleia Legislativa da RAA) para limitar aos partidos “convenientes” o acesso às instituições democráticas, isto é, arredar por lei, com base na atual correlação de forças eleitoral, as vozes não troikistas, não só da área dos governos, como dos parlamentos e outros orgãos democráticos onde elas se fazem hoje representar…
Se a coligação PSD/CDS não romper por si, assim, tal como provavelmente acontecerá a outros críticos do Orçamento (Ferreira Leite, Bagão Félix, Mota Amaral, António José Seguro, etc.), com o estafado - e agora suicidário - argumento de evitar uma crise política, acabaremos por vê-los todos a defender, contra a vontade popular e perante um Presidente da República totalmente desacreditado por palavras sem atos, a conservação no poder do Governo troikista de Passos e Portas...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 21 de outubro de 2012