Assim se combate a fuga ao fisco no tempo das Troikas

mario_abrantesAinda decorria a campanha eleitoral para as regionais, em terras de Santa Cruz, na Ilha das Flores, e uma estranha e longa fila de espera, composta de pessoas doentes ou portadoras de deficiência, muitas de muletas ou de carrinho de rodas (só faltavam os acamados), avolumava-se, perante os olhares interrogativos de quem passava, frente ao posto da GNR da vila…

Veio depois a saber-se que aqueles cidadãos, em geral idosos e manifestamente fragilizados pela doença ou incapacidade, bem como muitos outros mais (para cima de 300), incluindo acamados, tinham sido notificados criminalmente pelo Departamento Judicial de Ponta Delgada da Polícia Judiciária, por suspeita de fuga ao fisco ou usufruto de ilegítimos benefícios fiscais em sede de IRS…

Por maior que fosse a evidência da sua incapacidade ou doença (e não esqueçamos que nesta ilha não são poucos os portadores da chamada “doença do machado”), presumível e abusivamente considerados culpados de tão nefando crime, logo foram informados na notificação recebida de que deveriam constituir advogado ou aceitar pagar os honorários do defensor oficioso entretanto constituído e que teriam de demonstrar a sua inocência através da apresentação de relatório médico e documentação anexa atualizados, os quais iriam ser analisados a pente fino por vários agentes da PJ de Ponta Delgada e três inquiridores médicos legistas, propositadamente deslocados para o efeito à ilha das Flores (e aqui já não se olha a despesas…).

Qual era então, em concreto, o nefando crime de que estes desafortunados florentinos estavam acusados? O hipotético benefício fiscal fraudulento sobre a percentagem do seu rendimento sujeita à coleta de IRS, prevista no código, por motivo de doença ou incapacidade!

Perante o desmascaramento público da perfídia em curso contra estas centenas de idosos, doentes ou portadores de deficiência, feito por uma das forças políticas em campanha, a polícia judiciária “envergonhou-se” e logo se ofereceu para poupar aos acamados da Santa Casa da Misericórdia acusados do crime a intimação sob coação para se deslocarem (?) ao posto… deslocando-se ela mais o médico legista à Santa Casa para os interrogar!

Como diria Mia Couto: “O poder de um pequeno é fazer os outros mais pequenos. Pisar os outros como ele próprio é pisado pelos maiores…” Foi eventualmente algum funcionário das finanças, potencial candidato à classificação de “excelente” no seu serviço, o causador de tão cruel e desumana denúncia coletiva…

Mas a verdade é que só há pequenos a maltratar pequenos, porque os grandes os compensam por isso…E o incentivo à denúncia fiscal cega por via da classificação de serviço, ou coisas do género, só pode desaguar no mar de injustiças cruéis sobre os mais fracos ou desfavorecidos que estão a ser incentivadas e praticadas até à exaustão fiscal, pelos trituradores do Estado Democrático e Social atualmente instalados no poder em Portugal.

Algum pequeno funcionário de finanças, para melhorar a sua classificação de serviço, por mais seguro que estivesse duma denúncia de fraude, levaria esta até ao fim ou sequer se atreveria a enunciá-la caso o alvo da mesma fosse um Dias Loureiro, um grande grupo económico, uma empresa de offshore ou um grande banco? Não pois não?

Para as troikas (nacional e europeia) quem deve ser punido por lesar o Estado são os idosos os fracos e os doentes. Hitler tinha uma diferença, chamava-lhes judeus e ciganos…

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 27 de outubro de 2012