Diferentes caminhos, diferentes caminheiros

mario_abrantesNão foi preciso ser o relatório da OCDE a desaconselhar esta semana a possibilidade de prosseguir o atual caminho com mais medidas de austeridade. Com a força óbvia da razão, há quem o diga há muito, tanto no parlamento nacional, como no regional, e agora, e cada vez mais, na rua: o caminho é outro e existe! Mas quem está atualmente investido de poderes para agir em conformidade com a razão, ignora-a deliberada e sistematicamente, e de forma aparentemente cega e hipócrita persiste em descortinar razão no caminho do empobrecimento pela austeridade, da diminuição prioritária do défice acima de todas as coisas, do ajuste das contas públicas sem ajustar contas quem as delapidou e continua a delapidar em benefício de alguns, no cumprimento de um acordo (memorando assinado pelo PS, PSD e CDS com a troika) de cujos resultados os próprios acordantes externos e alguns correligionários internos já duvidam. Resultado: um país incompreensivelmente a ser destroçado e um povo injustiçado e sem esperança, refém de credores agiotas internacionais, mergulhado em desigualdades crescentes pelo peso de ouro com que estão a ser pagos os seus dirigentes, não só os políticos, mas sobretudo os económicos e financeiros a quem tais políticos servem.

Mas é (será) também seguramente político o caminho diferente que existe e pode ser retomado, o da igualdade, da justiça, da solidariedade, da democracia real e do desenvolvimento socialmente útil. Por isso, lamentando contrariar aqueles que de forma precipitada ou ingénua condenam todos os políticos por igual, direi que o caminho da saída para a crise e para a recessão que uns políticos persistem em alimentar de forma autista será forçosamente encontrada e prosseguida por outros políticos com diferentes interesses e causas. E se os primeiros se apartam e se escondem progressivamente do povo (que em parte até neles votou) agredindo-o pelas costas com crescente despudor, estampado num Orçamento de Estado iníquo agora aprovado na Assembleia da República, os segundos convivem, sofrem e lutam com ele numa base progressiva de confiança mútua. A estes, os que agora mais contestam o caminho que está a ser imposto ao país, Passos Coelho, na Madeira, referiu-se como sendo “os que mais têm” e, apesar de o atual primeiro-ministro se ter vindo a revelar um mentiroso persistente (tal como o seu parceiro do ex-“partido dos contribuintes”), falou verdade desta vez. A decisão final, mais tarde ou mais cedo, será deles porque são de facto os que mais têm: a força da razão e certamente o povo do seu lado.

Mas há ainda os políticos meias tintas que querem estar bem com Deus e o Diabo, mas que acabam sempre por favorecer um deles (em geral o último…).

São os deputados do PSD dos Açores na Assembleia da República que fazem declarações de voto contrárias ao Orçamento e aos prejuízos que dele advirão para a Região, mas depois votam a favor dele. São os 4 deputados do CDS e os 18 do PSD que se declaram contra o Orçamento e depois votam a favor dele. É António José Seguro que zurze e vota contra o Orçamento mas depois se retrai de promover a sua (manifesta) inconstitucionalidade. É o Presidente da República que diz que o povo não aguenta mais austeridade mas se cala perante a necessidade coerente de o vetar. Todas estas vontades, se verdadeiramente assumidas e juntas às vontades inequívocas de um PCP, um BE e uns Verdes, e de um honroso deputado do CDS da Madeira – Rui Barreto, seriam suficientes para derrotar um Orçamento em cujo cumprimento nem os seus próprios autores acreditam.

Mas porque nuns casos a resignação, a incoerência ou a perfídia perfilham afinal vontades diferentes das declaradas, não foram…para já!

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 1 de dezembro de 2012