Ajanelamento…

mario_abrantesColocar janelas sobre um horizonte aberto é sinónimo de paredes que se levantam …

Por vontade assumida entre a troika e o governo da República, aliada à imaginação académica da atual governação (que de portuguesa só tem a bandeira à lapela), em 2012 os Açores começaram a adquirir uma nova dimensão. De arquipélago de nove ilhas a meio do Atlântico, passaram a amálgama de “janelas” condicionadas pelos credores de uma dívida cujo montante, por mais dúvidas que suscite, não se questiona nem se renegoceia, apesar de aumentar a cada anúncio de medidas para a sua redução…

A mais mediática foi a da televisão pública regional. Emergente das obrigações constitucionais do serviço público do Estado, a RTP/Açores representou sempre um elemento estruturante da Autonomia e da coesão regional e nacional, mas a partir unilateralmente duma decisão central, sem qualquer respeito institucional pela Região, passou a janela de emissão própria restrita. Tendo o governo regional obrigação de intervir no restabelecimento do direito à televisão pública nos Açores, o Estado não pode livrar-se de assumir a responsabilidade maior como garante da sua existência.

E a base das Lages? Como alguém disse, não se pôs o governo central “de cócoras” perante o ajanelamento do seu funcionamento decretado pela administração norte-americana, sem contrapartidas substanciais que salvaguardassem a economia terceirense e a condição de 300 trabalhadores portugueses que irão ser somados a uma imensidão nunca vista de desempregados nos Açores?

Mas a diminuição unilateral imposta pela ANA (ainda pública) ao horário de funcionamento do aeroporto de Santa Maria, representa sem dúvida outra janela ilegitimamente estabelecida a partir do Terreiro do Paço, ignorando que nos Açores existem estruturas político-administrativas que têm de ser consultadas sobre tais propósitos. A privatização da ANA, estratégica para o país, foi contratualizada a mata cavalos, emparedando a própria soberania nacional. Além do compromisso por dez anos de não alteração das taxas aeroportuárias nos seus 4 aeroportos dos Açores, essa privatização não assegura mais nada, ficando mesmo por se saber se a compradora francesa Vinci, não ficará por cinquenta anos proprietária de uma parcela territorial da própria ilha…

O memorando de entendimento entre o governo regional e o governo da república, pelas limitações e restrições ao livre direito de administração dos Açores, nas suas competências estatutariamente definidas, já coloca por si igualmente uma outra parede ajanelada ao exercício da Autonomia…

E que outra coisa será senão uma parede ajanelada aquela que o governo central impôs unilateralmente ao acesso dos açorianos ao Serviço Nacional de Saúde, quando deslocados no Continente?

E a Universidade dos Açores não está a ser igualmente ajanelada?

Falta saber, para 2013, qual a janela das janelas que a proposta de revisão da lei de Finanças Regionais pretende impor aos Açores!

Para o novo ano, uma certeza temos: a travagem do ajanelamento dos Açores e a reposição da legalidade constitucional, só serão invertidos quando a dívida portuguesa for renegociada e o atual governo da República, junto com as suas políticas, forem substituídos.

Um feliz ano novo é sempre desejável. Sem resignação, será possível!

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 6 de janeiro de 2012