Ao sentar-me em frente a este teclado para alinhavar este artigo, sinto-me revoltado, preocupado, cansado de tanta porcaria, mas decidido a fazer tudo o que estiver ao meu alcance para combater e vencer esta onda de destruição que emana de poderes constituídos, mas que se puseram incondicionalmente ao serviço do grande capital financeiro internacional.
Não tenho vergonha de dizer que, apesar de ter lutado, activa e determinadamente, durante mais de trinta anos, contra a política de direita que o PSD, PP e PS foram fazendo alternadamente neste País, não supunha possível chegar a este ano de 2013 e ver Portugal com uma situação democrática tão degradada, com uma soberania tão fragilizada, com uma economia tão submetida, com uma situação social tão estraçalhada, como aquelas que agora temos. Quase trinta e nove anos depois do 25 de Abril dói ver o grau de exploração da força do trabalho que temos, dói ver a falta de vontade existente para criar uma economia capaz de integrar uma juventude profissionalmente preparada, dói ver o crescente desrespeito por todos os que viveram trabalhando e que agora são espoliados das suas reformas, dói ver a forma iníqua como o poder trata os funcionários públicos e todos os servidores do Estado, dói ver que quem manda são indivíduos formatados pela cega obediência ao poder do capital financeiro que os comprou e que eles servem em exclusivo, renegando tudo.
Todos esses que foram, ao longo dos anos, tomando medidas para desvirtuarem a democracia política, para limitar ou anular a democracia económica, para introduzir contradições na democracia social e para substituir a democracia cultural por indústrias de manipulação dos cidadãos, são responsáveis por aquilo que hoje vivemos. Sendo esta afirmação verdadeira, também é verdade que a maior responsabilidade por toda a cruel situação que hoje se vive no País é daqueles que, aproveitando o beco em que a política de direita nos meteu, procuram, com fanatismo ideológico, com ambição pessoal, com crueldade social, destruir tudo o que significa progresso, que espelha equilíbrio, que abre portas a evoluções positivas da sociedade.
Vivemos um clima social de grande perturbação. Vemos o edifício dos poderes democráticos estabelecidos na Constituição serem substituídos pelo estranho poder dos funcionários robotizados dos credores que impõem juros ilegítimos e especulativos. Vemos presidentes, 1ºs ministros, ministros e deputados afectos ao poder, assumirem-se como reles agentes desse poder invisível. Vemos, nesta Europa que se proclamava solidária, “estadistas” a dominarem economias de países da União e a imporem regras que configuram retrocessos civilizacionais gravíssimos.
Estamos a assistir a novos fenómenos, entre os quais sobressaem todas as tentativas de subverter os valores progressistas consolidados no séc. XX, procurando manter um quadro de “democracia” vazia de contudo real, usando até à exaustão métodos de manipulação, chantagem económica e distorção cultural, como formas de controlo e domínio.
Vivemos uma época em que as economias ilegais e criminosas, ligadas às economias legais pelo capital financeiro que controla ambas, procuram, à escala mundial, crescer à custa de um enorme fomento da toxicodependência, do tráfico humano, da pedofilia, do tráfico de armas. No meio de tudo isto, com os “estadistas” vendidos a esse grande capital que quer ser o dominador global, generalizam-se as tentativas políticas de impor situações e regimes políticos marcados por violentos retrocessos sociais e ambientais e enormes desrespeitos pelos direitos humanos.
Tudo isto marca o clima social de apreensão profunda que hoje marca o quotidiano dos portugueses, atira para planos muito secundários as preocupações regionais e locais específicas, como bem vemos aqui nos Açores e parece estar a limitar a capacidade de resposta da sociedade.
Para além de toda a confusão que nos pode estar a tolher, é preciso reagir! Como é que se podem estar a sentir várias centenas de milhares de votantes tradicionais do PSD, que se habituaram a votar nesse partido e nas pessoas por ele propostas e que agora se sentem espoliados, roubados, atirados para a falência? Como é que se podem estar a sentir dezenas de milhares votantes do CDS, que julgavam apoiar “uma força conservadora com preocupações sociais” e agora veem a máscara retirada? Como é que se podem estar a sentir milhões de portugueses, apoiantes dos partidos que mencionei e também do PS, ao perceberem agora que este caminho de muitos anos, traçado e executado pela direita europeia e pela “terceira via” dita socialista, se destinou a criar condições para a consagração da imposição neoliberal que hoje se vive? Estão certamente todos revoltados, mas precisam de perceber que a modificação positiva da situação exige a mobilização, a participação e a acção de todos os que não querem perder aquilo a que têm direito, que não querem uma vida muito pior para filhos e netos, que não querem viver sem qualquer espécie de qualidade, que não querem ver consagrada no séc. XXI uma sociedade ainda mais injusta, que não querem ver este País reduzido a um território dominado, governado por um bando de oportunistas sem princípios de qualquer espécie!
Artigo de opinião de José Decq Mota, publicado em 16 de Janeiro de 2013