O célebre e ambíguo objetivo do atual detentor do cargo de primeiro-ministro em Portugal, trata-se afinal de uma farsa de todo o tamanho, desde que a frase foi pela primeira vez proferida ainda no período eleitoral que posteriormente deu a vitória ao PSD com maioria relativa.
Num primeiro momento (campanha eleitoral) a farsa era para pôr os portugueses a pensar que o acordo assinado entre a UE/BCE/FMI e o PS/PSD/CDS poderia não ser tão profundamente negativo e violento para o país como se veio a verificar que foi e está a ser. Num segundo momento, quando o farsante, no atual governo PSD/CDS, pareceu lembrar-se repentina e atabalhoadamente de que será necessário acrescentar para além de 2013, no último ano do período de vigência do memorando assinado com a troika, um corte de quatro mil milhões na despesa do Estado. Afinal o que fez foi constituir-se em interposta pessoa para pôr de imediato o FMI, numa ação de inqualificável intromissão direta na administração política portuguesa, a dar ordens quotidianas e a estabelecer medidas concretas para o governo (dito) português pôr em prática, no sentido de organizar o cumprimento desse objetivo, partindo de pressuposto que, para além da vigência do memorando haverá que fazer a "refundação do Estado" num determinado sentido, o da continuação e reforço da austeridade, e não noutro qualquer.
Ou seja, desde o início que Passos Coelho sabe e pretende cumprir - daí a sua frase ambígua – a missão que lhe foi incumbida, a qual não se trata propriamente de "ir além da troika" mas sim de que, com a sua colaboração ativa como agente direto colocado em primeiro-ministro no país, a troika conseguir "ir além do memorando"!
E como? Empobrecendo definitiva e estruturalmente Portugal, recriando a fome, aumentando a taxação do pão e baixando o preço das malas da Channel, desmembrando o que lhe resta da sua capacidade produtiva própria, destruindo-lhe a inteligência, o conhecimento e o saber, e tornar assim o país refém a prazo indeterminado de credores financeiros internacionais de uma dívida cuja composição e respetiva evolução se desconhece e que está sempre aumentando...Tudo isto, apesar da cedência recente para alargar prazos de cumprimento, sob o pretexto hipócrita apresentado aos portugueses de que os compromissos com esses credores têm que ser cumpridos custe o que custar e nas condições por eles pré-definidas, para honrar o nome de Portugal!
E quem foi o encarregado desta "refundação do Estado"? A pessoa mais indicada para os objetivos do FMI, um homem da Goldeman Sachs, Carlos Moedas, portanto um representante direto dos interesses financeiros que raptaram o país e que acumula a condição de jovem bacoco no conhecimento das pessoas e da realidade portuguesa.
A aplicação das medidas previstas no Relatório do FMI/PassosCoelho, para além de ignorar o povo por inteiro, com o qual existem compromissos pelos vistos já não tão importantes para serem cumpridos, implica obrigatoriamente uma revisão constitucional, a qual só será possível de concretizar com o apoio de uma maioria de 2/3 na Assembleia da República. Caso contrário, a irem por diante, estaremos perante uma tentativa de golpe constitucional perpetrado pelo governo de Passos Coelho e só possível se for tolerado, em ato de traição, pelo Presidente da República.
Resta assim a única solução possível e justa para travar a violência do ataque ignóbil em curso ao país e ao seu povo: Devolver a palavra a este, através de eleições, e além dos prazos, renegociar a dívida e as suas condições.
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 26 de janeiro de 2013