Dois países, dois rumos

mario_abrantesEm 28 de janeiro passado, na sequência de uma ação interposta pela Inglaterra e pela Holanda, o tribunal da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) deu razão à recusa do Estado Islandês, duas vezes referendada pelo povo, em responsabilizar-se pelas dívidas da banca falida que, em 2008, provocou o colapso financeiro daquele país, considerando que cabia às próprias entidades falidas assumirem essa responsabilidade. Conforme o atual presidente islandês afirmou na mesma altura, na Conferência de Davos (26 e 27 de Janeiro), nenhuma razão assiste a que os bancos privados sejam considerados igrejas sagradas da economia, não podendo cair na bancarrota em caso de má gestão, como aconteceria com outra qualquer grande companhia ou empresa. Mais afirmou, que a teoria da salvação obrigatória dos bancos falidos (a ortodoxia financeira atualmente dominante na Europa) permite aos banqueiros, em caso de êxito financeiro, ficarem com os proveitos para si e, em caso de fracasso, fazer transitar para o cidadão comum a responsabilidade de arcar com ele, através da implementação obrigatória de impostos, cortes em rendimentos, e austeridade…

Em 31 do mesmo mês, três dias depois portanto, num outro país que entrou em crise financeira aguda, seguindo desde os últimos 30 anos as ortodoxias mercantilistas e tendo por causa próxima a falência do BPN/Sociedade Lusa de Negócios e do BPP, realizava-se uma reunião de Conselho de Ministros dedicada exclusivamente a tratar da recapitalização da banca privada, logo seguida da indigitação pelo seu Primeiro-ministro, nomeado sem pestanejar pelo Presidente da República, de um novo secretário de estado com nova pasta (denominada “inovação e empreendedorismo”!!!), ex-administrador precisamente do BPN/SLN, uma das referidas causas próximas da crise financeira desse país, de nome Portugal. Entretanto, e ainda na mesma semana, o responsável de um outro banco, o BES, afirmava que todos podem aguentar a austeridade se os sem-abrigo aguentam, e o BPI fechou 2012 com um lucro de 249,1 milhões de euros…

Na Islândia, deixando os bancos falir, julgando em tribunal os responsáveis pelo colapso financeiro, introduzindo controlos de divisas, proporcionando apoio aos mais desfavorecidos e sem introduzir medidas de austeridade, o país entrou (e encontra-se) em recuperação acelerada da sua economia.

Em Portugal, reconquistado pela fome, pela miséria, pela emigração, pelo desemprego imparável, pelas falências sucessivas, pela rapina dos salários, pelo aumento da precaridade e da exploração, pelas injustiças sociais, pelo aumento das diferenças que separam ricos e pobres, por uma dívida (afinal descontrolada) crescente, pela retirada de direitos democráticos, pela perda da independência económica e política, tudo isto provocado em nome da recuperação económica, esta apresenta-se afinal como uma miragem cada vez mais longínqua, apesar do seu governo, em discurso cor-de-rosa, garantir o contrário e que ela se concretizará (após dois anos de violentas medidas de austeridade impostas ao seu povo) imediatamente a seguir às próximas medidas de austeridade que irão ser necessárias tomar…

Na Islândia, ouvindo o povo e por direito, reconhecido pela própria justiça internacional, retoma-se o Estado, a Nação e o desenvolvimento, fazendo predominar o poder político sobre o poder económico…

Em Portugal, por intervenção externa coordenada com o poder político, negando a palavra ao povo, desvitaliza-se o Estado, enfraquece-se a Nação e compromete-se o desenvolvimento do país numa espiral recessiva comandada pelo poder económico e no interesse exclusivo deste…

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 7 de fevereiro de 2013