Uma nuvem sobre Abril

mario_abrantesAntes da revolução de 25 de Abril de 1974 estávamos presos cerca de 400 e éramos considerados pelo regime, que perdurava há 48 anos, subversivos e inimigos da Pátria.

Durante esses 48 anos, fora os que se exilaram, passaram pelas mesmas prisões (Caxias e Peniche), por mais algumas, e campos de concentração, milhares e milhares de presos políticos considerados inimigos da Pátria, e por tal facto muitos deles foram torturados e mesmo assassinados.

Com a revolução de 25 de Abril e a tomada do poder pelo Movimento das Forças Armadas, essa “Pátria” oficial que, em seu nome, prosseguia um só caminho político, e aos que dele divergiam prendia, torturava e matava, caso não fugissem, passou a ser oficialmente o que afinal sempre fora: uma ditadura opressiva, violenta e obscurantista que semeava o medo, enaltecia a pobreza e a emigração, enquanto protegia famílias opulentas e os monopólios a elas ligados. Uma ditadura que desde 1961, tirando o pão da boca aos portugueses, consumia rios de dinheiro a sustentar uma guerra em várias colónias contra povos que legitimamente aspiravam à sua independência.

Os inimigos da Pátria, os subversivos, os que atentavam contra a segurança do Estado, os terroristas que combatiam os jovens portugueses enviados para a guerra de África, foram a verdade única oficial ao longo de 48 anos. Com a revolução do 25 de Abril de 1974, compreendeu-se quem eram afinal os verdadeiros patriotas e que em nome daquela outra “Pátria” se estropiou na guerra uma geração de jovens portugueses. Com a revolução, das colónias nasceram novas Pátrias independentes e Portugal ressuscitou, reencontrou-se consigo próprio. Perdeu-se o medo e descobriu-se a paz, as liberdades, o pluralismo, o direito de livre associação, o direito de voto universal em eleições livres, o direito ao trabalho e o trabalho com direitos, o fim dos latifúndios improdutivos, a co-gestão empresarial, os sindicatos, os direitos das mulheres e das minorias, a protecção e a segurança social, a saúde e a educação universais, o direito à habitação e a banca ao serviço do povo.

Em 25 de Abril de 2013, 39 anos passados, há uma nuvem sobre Abril. As quatro paredes das prisões fascistas alargaram-se às fronteiras do país. Quem cá fica, está a ser condenado ao empobrecimento, ao desemprego e à miséria. O povo foi posto ao serviço da banca. É preciso fugir para sobreviver com dignidade. O medo voltou com o desemprego massivo. A guerra voltou, desta vez não com armas de fogo mas com as armas da chantagem financeira sobre todo um povo agrilhoado por um governo que diz ser de Portugal mas que é simples criado duma tutela estrangeira. Como diz Hermelindo Ávila, um picoense que muito considero: “Hoje é raro o dia em que gestores nacionais não vão a Paris ou a Bruxelas solicitar instruções para dirigir a Nação. Saem e entram de sorriso disfarçado como se estivessem a desempenhar uma missão de patriótico valor e de grande prestígio para o futuro de Portugal”. Com base em eleições em que a maioria se abstém, está-se a pretender criar novamente uma outra falsa Pátria onde o caminho político é só um e onde só alguns têm acesso ao “arco governativo”, sempre em aliança com a elite financeira e a banca, transformados em donos ditatoriais dos nossos destinos.

O que está em curso em Portugal é verdadeiramente uma tentativa de golpe de estado constitucional. É urgente e indispensável que os portugueses, ressuscitando Abril com a força que o fez nascer, se libertem das grilhetas do confisco generalizado a que estão sendo condenados, e recuperem o seu poder soberano enquanto cidadãos, voltando a dispor livremente do seu destino.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 25 de abril de 2013