“Reduzi tudo a cifras. Comprai, vendei, agiotai. No fim disto tudo o que lucrou a espécie humana? E eu pergunto aos economistas-políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à penúria absoluta, para produzir um rico.”
Esta pergunta que assenta como uma luva em Vitor Gaspar, ou no governo de Passos Coelho e Paulo Portas, ou na chanceler Angela Merkel, foi feita afinal em 1846 por Almeida Garrett, na inauguração do Teatro Nacional Dª Maria II, em Lisboa…
Pior, certamente muito pior, que o sismo de terça-feira que ocorreu perto da ilha de S.Miguel, é o sismo do governo com a troika que vai durar até ao fim deste ano, aprontado no conselho de ministros português desse mesmo dia, mas com anúncio “convenientemente” adiado para depois do 1º de Maio.
De facto, apesar de em democracia formal, vivemos hoje no nosso país uma ditadura do capital sobre o trabalho, e por extensão natural, do capital sobre o povo. O discurso do Presidente da República no dia 25 de abril, ignorando a Constituição e a Democracia, colando-se ao governo e à troika e recusando, por considerar inúteis, eleições como alternativa clarificadora e orientadora ao momento desastroso da política governativa portuguesa que atravessamos, sob o fundamento de que o caminho que está a ser seguido é o único possível e com o qual é necessário que todos concordem, constitui mais uma evidência dessa ditadura disfarçada que se quer impor ao país e contra a qual novamente o povo saiu à rua no 1º de Maio. As decisões e as medidas políticas são tomadas exclusivamente tendo por base uma minoria que detém o poder económico-financeiro, lesando por regra os interesses de quem trabalha ou já trabalhou, bem como, por arrasto, os das respetivas famílias. Como afirmou recentemente o Nobel da economia Paul Krugman, acerca daquela que considera a absurda política de austeridade seguida na Europa: a teoria económica de 1% de indivíduos, está transformada em ciência oficial da economia, contra os outros 99%. Na verdade, como todos bem se recordam, foram os banqueiros que encomendaram a austeridade aconselhando (ordenando?) ao primeiro-ministro José Sócrates o pedido de resgate…
Uma lúcida voz, a do Inspetor Geral do Trabalho em Portugal, Pedro Pimenta Vaz, numa entrevista a um jornal nacional, ao defender que é necessário criminalizar os patrões que mantêm trabalhadores com salários em atraso, situação cuja regularidade e extensão generalizada é exemplo único na Europa; ao denunciar que em 32.000 casos de trabalhadores a recibo verde, a esmagadora maioria passa 80% dos seus recibos à mesma empresa, e ao lembrar que no nosso país há muitos trabalhadores que são pagos por 40 horas semanais mas chegam a trabalhar 60, está-nos na prática a confirmar que vivemos sob um regime onde aos patrões lhes é consentido qualquer prejuízo que deliberadamente causem a quem para eles trabalha e lhes dá as mais-valias a ganhar. E de imediato nos lembramos nós que todos os dias novas regras ou acordos são assinados e publicados para facilitar o desemprego, provocar a falência de pequenas e médias empresas, cortar nos direitos sociais dos trabalhadores, diminuir os salários ou aumentar a precariedade. É a progressiva legitimação oficial da exploração e das injustiças sociais em nome de programas denominados de ajustamento, mas que cada vez mais desajustam e enfraquecem a economia, duma austeridade cega e sem nexo que provoca recessão, ou dum aumento de produtividade que posteriormente nunca se vem a confirmar. Tudo erros trágicos, mas que são para prosseguir! Porquê? Em nome de quê e de quem?
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 4 de maio de 2013