Competitividade e exploração

mario_abrantesO último abraço do casal de trabalhadores mortos nos escombros de um edifício que ruiu em 24 de Abril perto da capital do Bangladesh, representará ele a morte da solidariedade e fraternidade humanas?

Aquele edifício de 8 andares abrigava um formigueiro humano de milhares de vidas tão preciosas como as nossas, trabalhando como mão-de-obra quase escrava, em 5 empresas têxteis semi-clandestinas, 56 horas por semana e recebendo 38 euros por mês. Esse formigueiro humano representava a deslocalização (essas famosas deslocalizações de empresas que criam outros tantos milhares de desempregados nos países de origem) de pelo menos, pelo que se sabe, uma empresa britânica e outra canadiana. Esse formigueiro humano produzia, em regime dito de alta competitividade, marcas famosas de roupa (como a “Joe Fresh”) que depois, tal como a Zara, compramos a preços concorrenciais nos nossos países, tornando-nos cúmplices da exploração desumana e criminosa daqueles seres iguais a nós.

O edifício começou a apresentar fissuras e a ameaçar ruir poucos dias antes. Mas o seu dono, apesar dos avisos, um homem envolvido também em comércio ilegal de armas e politicamente muito influente, considerou que não havia perigo e obrigou milhares de seres humanos a retomarem o trabalho, empurrando-os para a sua câmara de morte. Morreram pelo menos 800 e 2.500 trabalhadores ficaram feridos…

Estará um abraço de entreajuda entre trabalhadores a ficar só possível quando enfrentam a morte que outros, homens como eles, lhes decretaram? Um abraço que constitui um grito de alerta para o atraso civilizacional que perdura nas relações de trabalho no Bangladesh, em outros países asiáticos, mas também na África ou na América do Sul, para gerar preços competitivos.

Temos um outro exemplo que nos diz directamente respeito: o abacaxi. Este produto, no mercado livre, compromete a nossa produção de ananás, porque é vendido a preços muito mais competitivos. Foi a Deco que há algum tempo explicou como se formam esses preços, em particular na Costa Rica. Os produtores e distribuidores que enchem os nossos hipermercados, sujeitam os trabalhadores costa-riquenhos daquela cultura, a fazer turnos de 14 horas com intervalos de meia hora, ignorando quanto vão ganhar no fim (no máximo 4% do produto final) e a trabalhar sem protecção para pesticidas e insecticidas, usados em grandes quantidades (e que vão envenenar depois os rios).

Seria natural que os países em estádios civilizacionais superiores e comprometidos com a Declaração Universal dos Direitos Humanos pugnassem pela dignificação do trabalho no mundo e estabelecessem barreiras à degradação das condições e direitos dos seus próprios trabalhadores.

Ora é precisamente o contrário que está a acontecer em Portugal. O poder político elege a competitividade como um objectivo absoluto, procurando quebrar todas as barreiras para atingir o que tem sido e deveria continuar a ser impossível, isto é, preços de mercado arrancados à maneira do Bangladesh ou da Costa Rica. É uma triste realidade a vontade do actual poder, ligado ao capital financeiro (“Ai aguentam aguentam!”, como dizem os banqueiros), de desregular mais e mais a legislação do trabalho, as suas condições, os salários, os horários ou a contratação, encomendando relatórios iníquos à OCDE para justificar o aumento desmedido do desemprego e do grau de exploração dos trabalhadores portugueses.

Não tenhamos dúvidas. Só o abraço solidário dos trabalhadores e do povo em vida poderá impedir a ruína do edifício que os abriga e o retrocesso civilizacional que se está hoje a processar em Portugal…rumo ao Bangladesh!

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 16 de maio de 2013