Pão e circo (cont.)

anibal_pires.jpgNa passada semana finalizei com a promessa de retomar a reflexão, necessariamente sumária, sobre a clássica estratégia do “pão e circo que ao longo dos tempos tão bem tem servido para a perpetuação e o reforço dos poderes instituídos.

Passada que foi uma semana já o leitor, por certo, verificou que o desemprego real na região é bem diferentes da taxa oficial. Isto, mesmo sem contar com os formandos, com os programas ocupacionais e os estagiários L, T ou U. Não sendo, este exemplo, “esmola” nem “festarola” não deixa, porém, de ser circo. Circo que se alimenta no acriticismo reinante e num viciado jogo de palavras e números. Jogo superiormente executado por alguns especialistas do populismo. Alberto João Jardim será, da lista de personalidades que referi a passada semana, um dos seus melhores executantes. Especialista em promover “festarolas”, em conceder “esmolas” e em manusear as palavras e os números, João Jardim mantém-se no poder desde… Bem! Desde sempre. Não obstante, a economia e a riqueza da Madeira são meros exercícios estatísticos pois a qualidade de vida e os índices de conforto da generalidade da população madeirense situam-se, em alguns casos, muito abaixo dos verificados nas regiões mais pobres da Europa dos 15. Nos Açores o reforço das maiorias absolutas, em 2004 de Carlos César e em 2005 de Berta Cabral, segue a mesma linha, embora com estilos pessoais bem diversos de João Jardim, do populismo que reina na “Pérola do Atlântico”, em Felgueiras ou em Oeiras.

O aprofundamento das assimetrias no desenvolvimento regional e a eterna posição de região mais pobre da Europa independentemente da herança, no caso da governação de Carlos César e os graves problemas sociais (exclusão, criminalidade, habitação, etc.) que afectam o concelho de Ponta Delgada e aqui não há herança, deveriam ter tido um desfecho bem diferente nos actos eleitorais a que aludi. Mas não, bem pelo contrário os eleitores premiaram o (i)mediatismo e o acessório em detrimento da essência da política e da governação ao reforçarem as maiorias absolutas do PS, na região e do PSD, em Ponta Delgada. O circo que possibilita estas distorções está estruturado numa bem urdida e tentacular teia de interesses, de pequenos poderes e dependências, um pouco à semelhança da “Cosa Nostra”. Mas a matriz que determina o sucesso da estratégia estrutura-se na promoção da balbúrdia entre o que são direitos dos cidadãos e o que é promovido como se de uma atitude benemérita de quem governa se tratasse. Os cidadãos portugueses têm direito à educação, à saúde, à segurança social, à habitação, ao exercício da cidadania e da participação política e os exemplos não acabam por aqui.

Mas, quem detém o poder cultiva a ideia de que isso depende não da satisfação dos direitos dos cidadãos e como resultado da cobrança de impostos, decorrente do exercício do poder e da própria essência da política, mas como se resultasse da vontade pessoal do presidente do governo, da câmara ou junta de freguesia ou de quem, no terreno, os representa. A entrega de uma habitação, a construção de uma escola, a abertura de um centro de saúde ou a pensão dos reformados nãos são mais, nem menos, do que a satisfação de direitos. É uma obrigação de quem governa e não uma “esmola” dada ao cidadão ou a uma população. As “festarolas” complementam a estratégia, alimentam as vaidades e são, sobretudo, caras, muito caras. São caras para quem pode e são-no particularmente caras, insuportavelmente caras para uma região pobre como é a nossa.

Aníbal Pires, In Expresso das Nove, Novembro de 2006