Nos Açores, ao contrário do restante território português, a abstenção parou de subir. Bom presságio para uma desejável maior participação futura dos cidadãos na regulação política dos seus destinos.
Apesar dos esforços feitos em contrário por quem, decidindo envergar a camisola do atual primeiro-ministro, preferia fazê-la caminhar pela bitola carneristo-partidária, a jovem e dinâmica freguesia urbana de Ponta Delgada: Santa Clara, optou inequivocamente por continuar em regime de auto-gestão dos seus cidadãos, como tem sempre estado desde a sua constituição administrativa há oito anos. Uma lição de democracia de base, num território concelhio que se apresentou infelizmente ainda mais bipolarizado pelos partidos que se têm alternado no poder.
Em Vila Franca do Campo, o candidato da CDU merecia bem mais, mas enfim. Vai ser o vereador que se apresentou por uma lista de cidadãos, a desempatar nas reuniões de Câmara. Já dá para estragar o joguinho do exercício da política que, muitas vezes dispensa o povo em favor do mandonismo caciqueiro.
A vitória nacional histórica do PS deveu-se a quem em primeiro lugar? À política desastrosa do Governo. Mas há mais uma força política vitoriosa: a CDU. E uma das razões parece estar em que muitos daqueles que cederam em eleições anteriores à pressão do chamado voto útil, agora, após a sua passagem pela experiência caciqueira do PS e do PSD, resolveram manifestar o seu arrependimento de forma clara.
Na Madeira, além de todo o resto que perdeu, João Jardim (o mais antigo cacique do pós-25 de Abril) perdeu o Funchal. A culpa de quem foi, por este horrendo facto histórico? Ele próprio se queixou: foi por usar a camisola do actual primeiro-ministro. Teria bom remédio, bastava despi-la então...
Mas estas eleições vieram também demonstrar em toda a sua dimensão que existe em Portugal um super-cacique do PSD/CDS, responsável máximo pela situação que estamos a viver e que como tudo indica, se não houver muita resistência e muita luta popular, tenderá a agravar-se ainda mais a breve trecho. Não, não estou a falar de Passos Coelho e do seu rumo surdo à voz dos portugueses, estou a falar daquele que após ser eleito chegou a autoproclamar-se o "Provedor do Povo".
Os resultados eleitorais confirmaram que o governo PSD/CDS só consegue aguentar-se no ativo e fazer a política que faz, apesar de podre, corrompido, desacreditado até pelos seus mais próximos e totalmente minado pelos interesses egoístas da alta-finança europeia e nacional, porque alguém está a impedir que a Democracia funcione, e esse alguém, utilizando o cargo de Presidente da República, resolveu renegá-lo em definitivo e vestir-se com a camisola partidária do governo central.
Enquanto Ramalho Eanes e muitas outras personalidades insuspeitas manifestavam opinião diversa, aquele que por obrigação própria deveria ser a mais importante imagem da cidadania - o Presidente da República – resolveu tomar abertamente o lado do Governo contra a vontade do povo e, procurando encobrir as evidências, veio usar o sábado de reflexão (interferindo fora de campanha no sentido de voto dos portugueses) para afirmar que o resultado das eleições autárquicas não deveria ser extrapolado para a situação nacional.
O povo pronunciou-se, a extrapolação foi evidente, o Governo saiu profundamente derrotado e merecedor de ser varrido com urgência, mas o super-cacique do alto do seu poleiro já antes prevenira em quem iria votar...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 3 de outubro de 2013