O mal-estar e a voz da razão

mario_abrantesTimidamente o presidente da República veio dizer em público que deve haver respeito pelo Tribunal Constitucional tanto interna como externamente.

Veio tarde e não veio fazer mais do que a sua obrigação. A voz da razão impôs-se sobre a sua preguiça em afirmar o que é elementar. É pena que se tenha atrasado tanto a fazê-lo e só depois de muitos outros com menos responsabilidade que ele sobre esta matéria o terem feito.

Mas a voz da razão não descansa com esta atitude. A proposta de Orçamento de Estado para 2014 contém inconstitucionalidades elementares e exige que o Presidente da República não seja acometido de nova crise de preguiça perante a necessidade de submeter tais inconstitucionalidades, caso o Orçamento seja aprovado, à sua fiscalização preventiva, a fim de evitar que outros avancem depois com o pedido de fiscalização sucessiva o que poderá remeter para mais tarde do que o devido, sem qualquer necessidade, a reposição da justiça constitucional.

Timidamente, os deputados do PSD queriam inscrever no Orçamento de Estado a aplicação de taxas sobre as PPP, as telecomunicações e a grande distribuição comercial, sectores que geram elevados rendimentos e que são poupados pelo Governo aos sacrifícios que parecem estar apenas reservados aos trabalhadores e à maioria do povo. Parecia que a voz da razão estava, ainda que tarde, a chegar à bancada do Governo. Mas não, de imediato, por este último, foram rechaçadas tais pretensões a pretexto de que isso "iria causar mal-estar" junto dos privados, mesmo sabendo-se que os encargos do Estado com as PPP em 2014 irão aumentar para o dobro.

E o saque fiscal iniciado em 2013 e para continuar em 2014, a que se vai juntar o assalto às PME, aos mais desfavorecidos, aos salários dos funcionários públicos, aos reformados e aos pensionistas, não causam mal-estar a ninguém?

E os 7.300 milhões para pagar de juros da dívida em 2014, não causam mal-estar a ninguém?

E os cortes adicionais previstos no OGE para a saúde, o ensino e a segurança social, não causam mal-estar a ninguém?
Tamanha discriminação no conceito de mal-estar, não se resolve com a instituição das sopas "take away" para os pobres, implica que a voz da razão tenha mais tarde ou mais cedo de ser ouvida para dizer no mínimo que:

A renegociação da dívida em juros prazos e montantes; o acesso direto do Estado ao financiamento pelo BCE nas mesmas condições que ele oferece à banca; a anulação dos encargos adicionais com as PPP e a sua extinção a médio prazo; a anulação dos contratos SWAP entre empresas públicas e a banca; o estabelecimento do imposto sobre transacções financeiras em Bolsa de Valores e a tributação sobre as transferências de capital bem como sobre dividendos em sede de IRS, constituem uma emergência nacional para começar a repor a justiça e a equidade dos sacrifícios e da distribuição dos rendimentos em Portugal. Para que o País volte a crescer.

Esta voz vai soar no Parlamento, mas também na rua, no próximo dia 26, dia da votação final do OGE.

E continuará a ser ouvida depois disso, até que a razão triunfe...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 21 de novembro de 2013