Não sei bem porquê...

Excluindo a diminuição (fictícia) da dívida pública devido à alteração da base de mario_abrantescálculo do PIB português, a semana não correu bem à área do poder.

Olhamos para um lado e observamos escancarado o disparate público de quem, tentando de forma enviesada impedir uma lei de ser aprovada, não consegue agora desenvencilhar-se do novelo em que se enredou com a história de um referendo sobre adoção por casais do mesmo sexo. Falo do Primeiro-Ministro e destas suas distracções, salvo no caso dos trabalhadores ou dos reformados, em deixar de lado as preocupações com as despesas do Estado, tal como aconteceu ao efectuar o que considerou ter sido uma boa venda dos CTT porque não foi..."acima dos valores do mercado"!

Olhamos para o lado do poder simulado de opinião pública e vemos um trafulha desmemoriado que tendo feito o mal de que acusa outros, opina em vários sentidos para tentar empurrar a vida política para sentido nenhum. Estou a falar de Marques Mendes, o tal que, segundo denúncia dos OCS, enquanto gerente de uma empresa, em 2010/2011, se meteu a negociar ações por 60 vezes menos o seu valor, lesando o Estado em mais de 750 mil euros.

Olhamos para além-mar e observamos o centralismo saloio do embaixador Catarino que se estatelou ao comprido com a negaça que o Tribunal Constitucional deu à sua torpe tentativa de chumbar o Orçamento dos Açores. Estou a falar, por interposta pessoa, no Presidente da República, e do seu ódio à Autonomia que desta vez saiu claramente vencedora.

Mas, não sei bem porquê, não exulto nem com estes desaires nem com a descida (conjuntural?) dos juros da dívida, porque entretanto vejo-nos chegados ao ponto 0 da opinião crítica, onde a política prossegue servindo interesses, antes inconfessáveis, que se vão tornando cada vez mais claros por falta de vergonha, enquanto se valoriza cada vez menos o que efectivamente importa para a vida da maioria dos portugueses.

Enquanto se desvaloriza o acentuar sem precedentes das desigualdades sociais a favor de uma minoria concentracionária da riqueza, constituída por privilegiados e corruptos que tomaram posições na malha do poder seja económico versus político ou político versus económico. Enquanto se desvaloriza a chuva cumulativa de cortes nos rendimentos de quem trabalha ou de quem já trabalhou. Enquanto se desvaloriza o alastrar da fome e da doença, e o colapso em catadupa das pequenas e médias empresas. Enquanto se desvaloriza a ofensiva geral dirigida à baixa unilateral dos custos do trabalho através da destruição massiva de postos de trabalho (criando-se um imenso exército de desempregados), acompanhada psicologicamente pela recuperação de teses bafientas como: "O rendimento mínimo é para sustentar malandros", ou "Senão trabalhas dado é porque és preguiçoso"...Enquanto se desvaloriza a chuva de cortes que tem caído sobre os funcionários públicos a partir de 2010, já lhes tendo retirado em média 15 a 20% do salário, subsídios de férias e de natal, lhes vai subindo as contribuições para a CGA e ADSE, a sobretaxa do IRS, a passagem para as 40 horas semanais, e agora cai com a intensidade máxima sobre os salários acima dos 675 euros.

É um outro mundo este, cuja expressão não só opinativa como, e sobretudo, politicamente vinculativa, terá de vir pela mão e pela ação de quem o frequenta e suporta, mais do que pela mão e pela acção de quem insiste em afirmar que dele recebeu mandato para o representar...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 24 de janeiro de 2014